Friday, December 29, 2006

Saudades de Cássia Eller

No dia 29 de dezembro de 2001, eu estava em Jericoacoara, no Ceará. Foi quando anoiteceu que a informação sobre a morte de Cássia Eller se espalhou pela praia, que em breve teria uma festa, com shows de bandas locais.
É quase impossível descrever como ficou o ambiente assim que os cochichos sobre a morte corriam de boca em boca.Dessa experiência nasceu a crônica abaixo, redigida dias depois de Cássia ter ido cantar em outras paragens.


Blues para Cássia Eller

A notícia se espalhou como um manto que se estende sobre o abismo. As pessoas bebiam, fumavam, trocavam idéias sobre os desencontros e belezas da vida. O som rolando. A lua cheia.O bar em plena praia abria as portas quando veio a notícia. Jericoacoara. Pessoas em busca de vida, de uma madrugada de luz, de um sorriso entorpecido submerso na alegria.

Então a notícia veio até mim baixinho, quase um sussurro, uma mentira de fim de ano. Mas não era. “Ela morreu”, e de súbito revirei os escombros de minha vida. Me lembrei da adolescência. Das baladas em bares ou casas de amigos. Ela sempre estava lá. Por isso não podia ter partido - mas tinha.

A noite adentrava. No telão um show gravado. A face severa, os braços deslizando sobre o violão, por vezes o sorriso de uma garotinha. Os olhos da multidão tragados pela tela. Com a imagem ao fundo, uma banda entoou suas canções. Cada peito ali, aflito, se apertava e o reflexo do brilho nos olhos tornava o cenário um mosaico de secretas sensações.

Tive vontade de chorar. E chorei, de mansinho. Era noite de lua cheia. Uma noite em que caminhei até o mar, embebido na escuridão, e lá fiquei até que escutasse um gemido rouco partindo das ondas e se perdendo entre as estrelas.

Monday, December 18, 2006

Videoclipe de Abujamra em carreira solo

Já que André Abujamra entrou na pauta (veja post anterior), selecionei um videoclipe da carreira solo do músico.

A faixa se chama Essa música não existe e está no CD O infinito de pé (Spin Music). Esse trabalhou foi feito logo após o “fim” do Karnak, anunciado pelo próprio líder da banda em 2002.

É uma pena não ter nada do YouTube do excelente Mulheres Negras, formado em 1985 por Abujamra e Maurício Pereira.

Karnak na área

O tradicional show de fim de ano do Karnak, banda liderada por André Abujamra, será realizado nesta quarta e quinta-feira, dias 20 e 21 de dezembro, no Sesc Pompéia, em São Paulo. Atenção para o preço dos ingressos:
R$ 20, R$15 (usuário matriculado)

R$ 8 (trabalhador do comércio ou setor de serviços matriculado e dependentes

R$ 10 (acima de 60 anos e estudante com carteirinha)

Clique aqui para mais informações.

Sunday, December 17, 2006

Dá-lhe Inter

Como está explícito nesta página - dá uma olhadinha lá para cima, ó - que este blog é uma geléia geral, posso perfeitamente ir de Truffaut ao futebol, num corte rápido, seco, à Eiseinsten: parabéns ao Inter! Barça ficou a ver navios. Colorado campeão mundial.

Sou são-paulino até debaixo d'água. Portanto, num primeiro momento cheguei a titubear em torcer pelo Inter. Mas torci. Era o Brasil que estava em campo, e o Inter merece. Brasil campeão mundial interclubes duas vezes consecutivas, apesar da penúria e das lambanças que cercam nosso futebol. Prova de que, dentro do campo, sabemos dar conta do recado.



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Saturday, December 16, 2006

A nova moral de Jules e Jim


Capa da revista francesa Cahiers du Cinéma, sobre Jules e Jim, com Jeanne Moreau em grande estilo.

Um dos grandes momentos da história do cinema, Jules e Jim, terceiro longa-metragem de François Truffaut, é o sentido amoroso levado ao limite. É a revelação do amor na linha tênue entre o efêmero e o perene – entre a liberdade e a posse, a euforia e a perda. Jules e Jim nos mostra que não se brinca com a vida e que erguer o amor a partir de uma nova moral tem um preço a pagar– por vezes, alto demais.

“É bonito redescobrir as leis humanas, mas é mais prático seguir as leis antigas. Nós brincamos com a vida. E perdemos”, afirma Jim, em trecho do filme, que conta os descaminhos do triângulo amoroso entre Jim, o amigo Jules e Catherine, interpretada por Jeanne Moreau.

Da esquerda para a direita, Jim (Henri Serre), Catherine (Jeanne Moreau) e Jules (Oskar Werner)

Disse Truffaut a respeito da obra: “Jules e Jim é um sonho: todos nós sofremos diante do aspecto provisório de nossos amores e esse filme nos leva justamente a sonhar com amores definitivos”.

A canção Le Tourbillon de la vie (O turbilhão da vida) ajuda a compreender esse intricado jogo de relações, como observou certa vez o próprio Truffaut. Segundo ele, a música “marca o tom para o filme e é a sua chave”. Em uma das cenas (veja o vídeo abaixo), Catherine canta a música, acompanhada por Albert, um de seus outros amantes, e assistida por Jules.Diz a letra: “Temos de nos conhecer uma vez, e depois uma segunda vez/ perdemos contato uma vez e depois outra vez/ voltamos a nos encontrar e trouxemos calor um ao outro/ depois nos separamos, cada um, sozinho, partindo de novo no turbilhão da vida”.

Friday, December 15, 2006

Visconti segundo Glauber

Estou lendo as críticas de cinema escritas por Glauber Rocha. Assim como nos longa-metragens, sua linguagem nos textos também costuma seguir o fluxo fragmentado, a inventidade formal, a fraseologia do tormento, a poética alucinada.

Um exemplo disso está em Forma e sentido do cinema, em que discorre sobre Visconti, um dos principais diretores do neo-realismo ao lado de Roberto Rosselini.
O texto está presente em O Século do Cinema, livro que reúne as críticas redigidas por Glauber.


Forma e sentido do cinema

Glauber Rocha

Onde começa o filme e onde termina a literatura? Onde caem a filosofia vaga e sem método, o teatro declamado, a poesia fácil e começa o filme, essa entidade misteriosa que críticos, filmólogos e teóricos invocam?

Que Filosofia é esta que dizem haver em Fellini e Bergman? Onde está a Filosofia com os séculos de existência que possui para aparecer tão fácil assim, especulando, impondo Éticas a partir de um mecanismo do século XX?

O filme absoluto, aquele que não mais investiga a expressão, que não mais experimenta, que não mais propõe um problema mas o resolve em sua origem e surge como Universo total?

Luchino Visconti concentra naquela outra “realidade” nascida da tela branca a transferência de seu espírito para a imagem. E de ponta a ponta existe a Imagem que eu Sou. Que você é. Que é o mundo, suas paisagens e circunstâncias.
Visconti superou o Corte. Superou o Cinema.

(...)

Alain Delon, em Rocco e seus irmãos,
de Visconti

Arista de requinte, VISCONTI É O PROUST DO CINEMA NO SENTIDO FORMAL DO GESTO QUE SE COMPLETA ATÉ UNHA COÇAR A POEIRA.

Visconti não despreza a Palavra nem o Teatro. O Drama está no palco que Visconti constrói para armar os alicerces de seu Universo. Não é aquela velha e tola história de exibir um filme falado sem som para se ver que o entendimento é perdido.

Visconti tem a palavra como Maior Som do Homem e o Palco como o Espaço ideal do Ser Dramatyko.

Thursday, December 14, 2006

Miles Davis e John Coltrane



A partir de meados da década de 1950, o trompetista Miles Davis – ícone do cool jazz, jazz-rock e da fusion – montou um quinteto que marcou a história do jazz. Um dos destaques do conjunto era John Coltrane, um dos maiores saxofonistas de todos os tempos. O grupo passou por várias formações – teve uma fase como sexteto. Entre os músicos que por lá tocaram estão os pianistas Bil Evans e Red Garland, o baterista Jimmy Cobbs e o contrabaixista Paul Chambers.

Entre os discos gravados pelo quinteto/sexteto de Miles Davis estão Cookin’, Relaxin’, Milestones e Kind of Blue, um dos mais cultuados da história do jazz.

Depois de deixar o grupo de Miles, Coltrane lidera um quarteto que se propõe a ousadas experimentações sonoras. Alguns críticos, aliás, classificam o saxofonista como um dos precursores do free jazz.

Miles não fica atrás. No fim da década de 1960, ele mergulha numa viagem estética que vai dar na fusão entre jazz e rock, o que arrepia os cabelos dos defensores da tradição jazzística. E estava muito bem acompanhado nessa aventura: tocavam com ele os tecladistas Herbie Hancock e Chick Corea, os contrabaixistas Dave Holand e Ron Carter e o saxofonista Wayne Shoter, só para citar alguns.

O vídeo abaixo apresenta Miles, Jonh Coltrane e cia tocando So What, presente em Kind of Blue.

Wednesday, December 13, 2006

Uma leitura de A Peste, de Albert Camus


Albert Camus

Escrevi este ensaio por ocasião do curso de pós-graduação em literatura de que participei. É um pouco longo. Mas, quem se interessar por literatura e tiver um tempinho, está aí. A Peste é um livro apaixonante.


A morte e o elogio da vida

Clayton Melo

O romance A Peste, de Albert Camus, foi interpretado por vários críticos como uma alegoria ao nazismo e, por extensão, a todo regime totalitário. O próprio autor admitia que o conteúdo evidente era a resistência européia a Hitler (1). Não bastasse ter sido preparado durante a Segunda Guerra Mundial e publicado em 1947, pela Gallimard, o livro contém alusões à Ocupação ou a ditaduras, como a decretação do estado de sítio na região onde se passa a história ou o fato – provocado justamente pela medida de exceção – de um dos personagens, o jornalista Raymond Rambert, ser proibido de sair da cidade, um símbolo do cerceamento da liberdade de imprensa.

Se o romance pode ler lido pela ótica da resistência política, também é verdade que abre espaço para uma interpretação de cunho filosófico-existencial. A Peste permite a reflexão, por exemplo, sobre como a iminência da morte relembra ao homem sua finitude e o faz agarrar com todas as forças a vida, que teme perder a qualquer momento. A dor, o medo e a solidão gerados pela doença podem resgatar sentimentos até então anestesiados pelo cotidiano, como solidariedade, amor e compaixão. Em outros termos, A Peste mostra que a perspectiva da morte modifica a postura do homem perante o mundo e a si próprio, redefinindo valores e crenças e gerando perdas e ganhos, como o resgate da essência das relações humanas. Além de trazer conceitos que permeiam toda a obra de Camus, o romance se relaciona com as teorias de Heidegger, como a angústia. A aproximação com o autor de Ser e Tempo se estende também à concepção de morte, tema recorrente à filosofia heideggeriana.

A Peste se passa em Oran, pequena cidade da Argélia cuja vida é monótona. Os habitantes vivem para o trabalho e para o acúmulo de riquezas. Seguem meticulosamente a rotina, inclusive nas questões do coração, com casais que vivem juntos por força do hábito. Não há espaço para devaneios amorosos. “Em Oran, como no resto do mundo, por falta de tempo ou reflexão, somos obrigados a amar sem saber” (2)
Subitamente, a normalidade cai por terra quando ratos agonizam por toda a cidade. Logo depois, a morte alcança também os moradores. No início, há um estranhamento com o fenômeno cuja causa ou explicação é desconhecida. Mas com o avanço da doença, o que era uma simples preocupação torna-se motivo de horror generalizado. Ninguém está livre desse inimigo cuja identidade só é reconhecida depois muitos cadáveres: peste bubônica.


Trata-se de um romance que coloca o homem frente à situação-limite que mais o assusta: a morte, não como resultado do ciclo da existência, o que é natural, mas trágica, dolorosa, com sofrimento. E mais: gratuita, um capricho cruel que surge repentinamente, impondo um fim gradual e pavoroso. Dada sua onipresença e força simbólica, a morte é uma personagem nesse livro da separação e da esperança.


Romance e filosofia

Um dos caminhos para melhor entender o ficcionista Camus é analisar o pensamento filosófico do escritor franco-argelino, relacionando as idéias do texto estudado ao restante de sua obra. O ponto de partida dessa investigação é saber que Camus se servia da ficção como meio para expressar reflexões, que exercitou sob a verve do ensaísta – seus dois maiores testamentos filosóficos são O Mito de Sísifo e O Homem revoltado. “Um romance nunca passa de uma filosofia posta em imagens. Em um bom romance, toda a filosofia passa pelas imagens.” (3)
Duas idéias centrais norteiam a obra de Camus, o absurdo e a revolta. Para ele, o absurdo surge pelo fato de o homem procurar no mundo ordem e racionalidade, mas encontrar somente o irracional e a desordem. Em outras palavras, o

absurdo consiste na incompatibilidade entre um anseio humano de explicação para o mundo e o mistério essencial desse mundo inexplicável, entre a consciência da morte e o desejo de uma impossível eternidade, entre o sonho de felicidade e a existência do sofrimento, entre o amor e a separação dos amantes. (4)

Em Camus, a morte surge como um dos pólos do absurdo, como observa Jean Paul Sartre na introdução de O Estrangeiro, de Camus:

O absurdo fundamental manifesta antes de tudo um divórcio: o divórcio entre as aspirações do homem à unidade e o dualismo intransponível do espírito e da natureza, entre o impulso do homem em direção ao eterno e o caráter finito de sua existência, entre a “preocupação” que é a sua própria essência e inutilidade de seus esforços. (5)

Sartre
Não é outra coisa o que ocorre em A Peste. Os infortúnios de Oran lançam os personagens numa roleta da russa. As ações preventivas parecem não frear a doença e, assim, preservar a vida. Além disso, há um descompasso entre a busca da felicidade e o sofrimento real, o desejo de amar e a solidão da doença, o sopro de vida e o odor sufocante dos cadáveres.

No outro grande romance de Camus, O Estrangeiro, o absurdo da existência é a mola-mestra que conduz a história de Meursault. Indiferente à ordem do mundo, ele mata, sem justificativa, dois árabes numa praia. Condenado, declara apenas que cometeu os assassinatos “por causa do sol”. Não tenta provar inocência, pois se defender representaria aceitar as regras de um jogo que recusa. É um estrangeiro entre os próprios homens, “um desses terríveis inocentes que constituem o escândalo de uma sociedade porque não aceitam as regras do jogo.”(6)

Se em O Estrangeiro Camus concentra o absurdo no indivíduo, em A Peste ele transpõe as lentes para o absurdo coletivo. Mas em ambos os casos manifestam-se as marcas do absurdo, como a gratuidade – da vida, da morte, dos acontecimentos – e a irracionalidade do mundo.

O homem do absurdo não se suicidará. Pôr fim à própria vida eliminaria o divórcio com o mundo, mas não resolveria o absurdo, pois este é uma condição – e aqui entramos no outro grande tema de Camus, a revolta. A Peste é o exemplo da revolta metafísica de que fala O Homem revoltado, livro que sistematiza o pensamento político do autor. A revolta metafísica é definida por Camus como o movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra toda a criação; é a cumplicidade no absurdo. “O mal que apenas um homem sentia torna-se uma peste coletiva” (7). Manifesta-se assim a contradição entre desejo de durar e o destino de morte do homem, como aponta Manuel da Costa Pinto:

Assimilando a revolta ao absurdo, Camus afasta-se de saída de qualquer solução para o impasse. Pois, assim como o homem absurdo rola sua pedra pela encosta da montanha, o revoltado retira de seu próprio sentimento as condições de vivê-lo sem trair essa existência que tragicamente deverá aceitar.(8)


Para Camus, o sentimento de revolta estreita os laços de fraternidade:

A solidariedade dos homens se fundamenta no movimento de revolta e esta, por sua vez, só encontra justificação nessa cumplicidade. (...) Para existir, o homem deve revoltar-se, mas sua revolta deve respeitar o limite que ela descobre em si própria e no qual os homens, ao se unirem, começam a existir. (9)

Alguns personagens d’A Peste ilustram a comunhão na revolta. A começar pelo protagonista, o médico Bernard Rieux, narrador da história. É um homem preocupado com o próximo. Não mede esforços para conter a doença, mesmo sabendo das limitações de uma luta inglória. Privilegia o bem comum e a coletividade, a ponto de suportar calado o drama pessoal de se manter à distância da esposa, que, enferma – não pela peste –, é tratada em outra cidade.

À volta de Rieux forma-se um pequeno grupo de colaboradores, como Rambert, Tarrou e Grand, homens unidos pele peste e que aprenderam a compartilhar angústias, desejos e temores. É em torno de personagens como esses que o médico conduz sua crônica, como ele mesmo define o relato.

Relato que não esconde os momentos de dúvidas e fraquezas do protagonista, mas também demonstra a lucidez de Rieux ao observar a desordem do mundo. Ele sabe que estão que todos mergulhados no absurdo coletivo e que é preciso aceitar a condição do absurdo, para então suportá-lo. Mas aceitar não significa jogar a toalha, pois devemos viver intensamente a vida que nos é reservada. “O homem revoltado é aquele que enfrenta seu próprio absurdo”. (10)

Muitos moralistas novos de nossa cidade diziam então que nada servia para nada e que era preciso cair de joelhos. E Tarrou, Rieux e os amigos podiam responder isto ou aquilo, mas a conclusão era sempre o que eles sabiam: era preciso lutar, desta ou daquela maneira e não cair de joelhos. Toda a questão residia em impedir o maior número possível de homens de morrerem e de conhecerem a separação definitiva. Para isso, havia um único meio – combater a peste. Esta verdade não era admirável, era apenas conseqüente. (11)

Nessa luta não há heróis. Mais importante que atos de bravura está a felicidade, que deve ser buscada a todo custo. Para realçar literariamente essa posição, Camus serve-se de um anti-herói, o já citado Grand, um modesto funcionário municipal que se satisfazia em ser útil nas batalhas miúdas do dia-a-dia.

Sim, se é verdade que os homens insistem em propor-se exemplos e modelos a que chamam heróis, e se é absolutamente necessário que haja um nessa história, o narrador propõe este herói insignificante e apagado (Grand) que só tinha um pouco de bondade no coração e um dilema aparentemente ridículo. Isso dará à verdade o que é devido, à adição de dois e dois o seu total de quatro, e ao heroísmo o lugar secundário que lhe cabe, logo depois, e nunca antes, da exigência generosa da felicidade. Isto dará

também a esta crônica seu caráter, que deve ser o de uma relação feita com bons sentimentos, isto é, sentimentos que nem são ostensivamente maus nem exaltadores do espetáculo. (12)


Personagem onipresente

A exaltação da felicidade dá a chave para se compreender o peso simbólico da morte em A Peste. Insuperável e em diferentes formas, como a velhice ou a doença, a morte impede a felicidade integral do ser humano. Não é só em A Peste que Camus aborda a questão. O medo de morrer é expresso em outros livros, como L’Envers et I’Endroit, coletânea de cinco textos que discorrem sobre velhice, religião e morte.

Alguns fatores explicam a correlação entre felicidade e morte em Camus. Em primeiro lugar, o fato de o escritor se situar no contexto da literatura existencialista da metade inicial do século passado. Esta vertente se dedicou a “descrever situações humanas em que mais se notam os traços da problematicidade radical do homem, sublinhando assim suas vicissitudes menos respeitáveis e mais tristes, pecaminosas ou dolorosas, e também a incerteza da ação humana” (13). Uma forte característica dessa linhagem é o ateísmo. E onde não há Deus, tudo se resume aos bens do mundo.

Isso explica a redescoberta da vida em A Peste e as transformações na forma como os habitantes de Oran se relacionam, fortalecendo os laços entre casais esquecidos do amor e entre aqueles que provaram na carne a dor da separação.

Na filosofia moderna, há reflexões sobre o impacto que o reconhecimento da morte provoca no ser humano. Isso aparece, por exemplo, na chamada filosofia da vida, particularmente com Dilthey. Para o pensador,

a relação que caracteriza de modo mais profundo e geral o sentido de nosso ser é a relação entre vida e morte porque a limitação de nossa existência pela morte é decisiva para a compreensão e avaliação da vida. (14)

Essa nova postura mediante a ameaça da morte também se relaciona com as teorias heideggerianas. Existencialista, o filósofo alemão considerou a morte como uma possibilidade existencial, como o fim do Dasen (“ser aí”), ou seja, do Ser no mundo, e não como término da existência como Ser. O Dasein está sujeito ao tempo (Zeit). A morte então é o fim do Ser no tempo. Dessa maneira, o homem como Ser no tempo é aniquilado com a morte, mas na condição de Ser em Si-Mesmo permanece Ser (Sein). Como aponta Abbagnano, ao comentar a posição de Heidegger, a morte

é a possibilidade absolutamente própria porque diz respeito ao próprio ser do homem(...) É apenas no reconhecer a possibilidade da morte, no assumila(sic) como decisão antecipadora que o homem encontra seu ser autêntico. (15)

Ao se entender a morte como possibilidade, a compreensão de seu significado advém de sua antecipação emocional, a angústia. Segundo Heidegger, a “angústia é a situação emotiva capaz de manter aberta a contínua e radical ameaça que sai do ser mais íntimo e isolado do homem.”(16)

Heidegger
Todas essas relações com Camus são factíveis. Em A Peste, no entanto, convive simultaneamente uma outra simbologia. Deixando de lado a análise existencial a respeito da morte concreta, o romance sugere também a visão da morte o término de um ciclo que permite o nascimento de outro. Perto do desfecho do livro, Camus faz referências ao anseio de recomeço que acalentava os moradores da cidade com o fim da peste. Uma passagem bem elucidativa dessa idéia – e também da valorização das relações humanas em meio ao terror – é o momento em que Rieux e Tarrou, já com a epidemia controlada, vão ao cais tomar um banho de mar em “prol da amizade” (17). A imagem do mar reforça a idéia de purificação depois da tempestade.

Quando viram de longe a sentinela da peste, Rieux sabia que Tarrou dizia para si próprio, como ele, que a doença acabava de esquecê-los, que isso era bom, e que agora era preciso recomeçar (18)

Fazia-se mesmo necessário um novo começo, mas certamente não seria o último, porque o “bacilo da peste não morre” (19). Adormece, e então renasce. Não morre porque é o símbolo do absurdo, essa sensação de mal-estar que acompanha o homem ao longo da existência.
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Notas bibliográficas

1. Albert Camus, “Carta de Albert Camus a Roland Barthes”, em www.cadernosdecamus.blogspot.com
2. Albert Camus, A Peste, p.8.
3. Albert Camus, “A Náusea, de Jean Paul Sartre”, em A Inteligência e o cadafalso, p 133.
4. Abril Cultural, “Vida e obra”, em edição reunida de O Estrangeiro e O Estado de sítio, p.11.
5. Jean Paul Sartre, “Introdução” de O Estrangeiro, p. 7.
6. Idem, p.13.
7. O Homem revoltado, p. 35.
8. Manuel da Costa Pinto, Albert Camus – um elogio do ensaio, p. 182.
9. Albert Camus, O Homem revoltado, p. 34.
10. Vicente Barreto, Camus – vida e obra, p. 53.
11. Albert Camus, A Peste, p. 94.
12. Idem, p. 97.
13. Nicola Abbagnano, História da filosofia, volume 12, p. 47.
14. Abbagnano, Dicionário de Filosofia, p. 684.
15. Abbagnano, História da filosofia, p. 58 e 59.
16. Idem.
17. Albert Camus, A Peste, p.177.
18. Idem, p. 179.
19. Idem, p. 213.


Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora, 2000.
____________. História da Filosofia, vol. 12. Lisboa, Editorial Presença, 2001.
BARRETO, Vicente. Camus – vida e obra. São Paulo, Paz e Terra, s/d.
CAMUS, Albert. “Carta de Albert Camus a Roland Barthes”, em
www.cadernosdecamus.blogspot.com. São Paulo, 24-01-2004.
____________. O Estrangeiro. Lisboa, Edição livros do Brasil, s/d.
____________. O Estrangeiro. São Paulo, Abril Cultural, 1982.
____________. O Homem revoltado. Rio de Janeiro, Record, 2003.
____________. A inteligência e o cadafalso e outros ensaios. Record, 2002.
____________. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro, Record, 2004.
____________. A Peste. Record. Rio de Janeiro, Record, s/d.
____________.A Queda. Record. Rio de Janeiro, Record, 2002.
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, 1998.
ROLLEMBERG, Marcello. “A inteligência e a moral”. Jornal da USP. São Paulo, 7 a 13 de setembro de 1998.
SARTRE, Jean Paul. “Introdução” de O Estrangeiro. Lisboa, Livros do Brasil, s/d.
PINTO, Manuel da Costa. Albert Camus – um elogio do ensaio. São Paulo, Ateliê Editorial, 1998.

Monday, December 11, 2006

Já foi tarde

Augusto Pinochet
1915 - 2006

Wednesday, December 06, 2006

Noitão de cinema

Última madrugada de filmes do ano promovida pelo HSBC Belas Artes, em São Paulo. Veja os detalhes no material de divulgação, enviado pelo HSBC, aqui embaixo.

HSBC BELAS ARTES APRESENTA O ÚLTIMO NOITÃO DE 2006

O HSBC Belas Artes reservou uma programação especialíssima para o último Noitão de 2006, sexta-feira, 8 de dezembro, a partir da meia-noite, trazendo uma seleção de três filmes realizados em países asiáticos, entre eles o comercialmente inédito no Brasil Dias Selvagens (Days of Being Wild), o segundo filme dirigido pelo cultuado cineasta de Hong Kong, Wong Kar-Wai, realizado em 1991 e que só agora chega ao País, através da distribuidora Pandora Filmes.

Este magnífico filme marca a primeira experiência de Wong Kar-Way com o diretor de fotografia australiano Christopher Doyle, selando uma feliz parceria que dura até hoje, e também já conta com a presença de diversos atores-fetiche, freqüentes nas demais obras de Kar-Wai, entre eles a lânguida e bela ex-miss Hong Kong Maggie Cheung enfrentando a não menos charmosa Carina Lau, com quem disputa o mesmo homem, representado pelo talentoso e sedutor Leslie Cheung (de "Felizes Juntos", falecido em 2003), em clima de inebriante sensualidade.

O filme seguinte, Tóquio Porrada (Tokyo Fist, de 1995), é assinado pelo mestre do exagero e do humor bizarro, o japonês Shin'ya Tsukamoto, numa história também focada num triângulo, neste caso formado por dois homens e uma garota. Tudo começa quando um jovem executivo visita uma academia de boxe e lá encontra um antigo desafeto, um sujeito incômodo, que invade a vida do rapaz, forçando intimidades, até dar em cima de sua noiva, uma mocinha, até então, suave e de gestos elegantes, causando um inevitável embate de tirar o fôlego e em seqüências de elevado teor sado-masoquista.

O filme-surpresa, por sua vez, também possui ritmo frenético, visual moderno e muita originalidade. Um filme tão belo merece muitos dos mais enaltecedores adjetivos e predicados, mas, corre-se o risco de evidenciar o segredo e isso, definitivamente, não deve acontecer. Nos intervalos das sessões, o Noitão promove sorteios de brindes (filmes em DVD, CDs da gravadora Trama, convites exclusivos do HSBC Belas Artes, livros e bottons by Renato Sujo). O encerramento da maratona, ao amanhecer do sábado, se dá com um café da manhã oferecido a todos os "sobreviventes". (Divulgação Belas Artes).

Anote o endereço:
HSBC BELAS ARTES
Avenida Consolação, 2423, São Paulo
Clique aqui acessar o site

Tuesday, December 05, 2006

Por onde andará Diana?



O nosso amigo e leitor Guto Ruocco – esse ilustre senhor que assina as mensagens aqui como “Anônimo”, por pura jequice de não saber colocar o nome dele nas mensagens (brincadeira, Guto!), publicou em PONTO DE FUGA a letra da bela Tudo o que eu tenho, música-tema de O céu de Suely, de Karim Aïnouz. Versão feita por Rossini Pinto para Everything I own, de David Gates, a canção é uma baladinha brega chiclete deliciosa, que emociona pela força de sua simplicidade.

Como diz o jornalista Pedro Alexandre Sanches, Tudo o que eu tenho é uma “balada soul de altos teores, psicodélica, um Roberto Carlos louro de cabelos cacheados, voz aguda e cílios longos”.

Ela foi gravada no disco Diana, de 1972, sob direção artística de Raul Seixas – Raulzito também é co-autor de Ainda queima a esperança, outro hit de Diana.

Pois eis que 36 anos depois do lançamento, Tudo o que eu tenho volta à baila, e envolta numa história curiosa.

Em entrevista a O Globo Online, Aïnouz disse que há meses está à procura de Diana. Ele gostaria que ela participasse da festa de lançamento do filme. Mas não encontrou. Ninguém sabe, ninguém viu Diana, ex-mulher de Odair José, que nos tempos áureos da década de 1970 exibia fartos cabelos louros.

Cadê, Diana?

É possível ouvir a música no Globo.com. Basta fazer um rápido cadastro, gratuitamente. Clique aqui para acessar o site.

Monday, December 04, 2006

Tarde Beatles: Revolution e Lucy in the sky with diamonds

Foi só visitar o site com material sobre Beatles (leia post anterior) que não resisti: busquei um vídeo de Revolution e Lucy in the sky.


Revolution


Lucy in the sky with diamonds

Site traz vídeos do Beatles


O embaixador de São Caetano, Roberto Perrone, indica ao PONTO DE FUGA um ótimo site com dezenas de vídeo dos Beatles. Traz também discografia, filmografia, letras e biografias etc. Duro é entender o que está escrito lá - com exceção das letras, que estão em inglês.

Só tenha cuidado para não ficar se empolgar vendo os vídeos e esquecer de trabalhar.

Clique aqui para ir ao site

Se quiser ir direto para a página com os vídeos, clique aqui

O céu de Suely



O Céu de Suely é o céu de todos nós, é o substantivo feminino à flor da pele. É estar, simplesmente. É a busca de um sentido que não se qual é – é a espera de um norte, de um sul, de um poente para descansar. O Céu de Suely é nosso vazio suplicante; é a discrição de um sonho recolhido na dor, um blues em nosso Mississipi. A nostalgia do futuro, o sebastianismo que nos consome. O Céu de Suely é a urgência de viver, é o nosso abandono irrecuperável.

Saturday, December 02, 2006

"Sem medo, eu vou para Deus"

Malachi Ritscher, 52 anos, de Chicago, nos Estados Unidos, se afligia com a guerra do Iraque. Com os tempos sombrios. Então planejou cuidadosamente todos os detalhes: deixou a cópia da chave do apartamento com um amigo, preparou uma lista de tarefas para a família, publicou o próprio obituário em seu site. Na carta, mostrava-se indignado com a guerra. Esperava que seu plano reverberasse, fizesse um barulho insuportável, acordasse o mundo para a loucura da intolerância.

No dia 3 de novembro, às 6h30, Ritscher, um músico que lutava contra a depressão, foi ao centro de Chicago e postou-se perto de uma estátua. Em seguida ligou uma câmera de vídeo e registrou o momento em que ateou fogo em si mesmo.

Mas ninguém sacou a jogada. Ninguém ficou sabendo de seu propósito. Morreu como um anti-mártir, um herói às avessas.

"Este é meu pronunciamento: se eu sou obrigado a pagar por sua guerra bárbara, eu escolho não viver em nosso mundo. Me recuso a financiar o assassino em massa de civis inocentes, que nada fizeram para ameaçar nosso país", escreveu na carta de despedida. "Se uma morte pode dizer algo, em qualquer pequena forma, eu digo para o mundo: desculpem-me pelo que fiz por você, estou envergonhado pelo caos causado pelo meu país."

A última frase da carta foi: "Sem medo, eu vou para Deus".



O corpo de Malachi Ritscher foi reconhecido cinco dias depois. E só se soube que o suicídio foi um ato de protesto semanas mais tarde, graças ao trabalho de um jornalista local, que se empenhou em investigar o caso.

A carta está disponível no site

Clique aqui para saber mais

Friday, December 01, 2006

Curso sobre Nouvelle Vague







A Casa do Saber, em São Paulo, ministra entre 5 e 14 de dezembro um curso sobre a Nouvelle Vague, o movimento que renovou o cinema na década de 1950 e teve como expoentes Truffaut, Godard, Alain Resnais e Eric Rohmer, entre outros. As aulas serão ministradas pelo jornalista Alcino Leite Neto.

Atenção para o serviço:


Início: 05 DEZ
Duração: 4 encontros
Dias/horários: Terças-Feiras, Quintas-Feiras, às 20h (05/12, 07/12, 12/12, 14/12)
Valor: R$ 160,00 na inscrição + 1 parcela de R$ 160,00

O programa:


05 DEZ | 1. O QUE É O CINEMA?

André Bazin e o neo-realismo. Os "Cahiers du Cinéma", a redescoberta de Hollywood, a política dos autores e a formação de um novo aparato crítico

07 DEZ | 2. A MODERNIDADE EM CURSO
Os primeiros filmes. François Truffaut e a ruptura lírica. Jean-Luc Godard e o gênero reflexivo. O caso Alain Resnais

12 DEZ | 3. A REVOLUÇÃO PERMANENTE DE GODARD
Apresentação da obra do principal diretor moderno, a partir de "Uma Mulher É uma Mulher" (1961) até "Made in USA" (1967)

14 DEZ | 4. MAIO DE 68 E A CRISE DA CINEFILIA
A erupção do político. A morte do "autor". Truffaut e o retorno ao classicismo. Godard e o cinema militante. Situação atual

Alcino Leite Neto. Jornalista, editor de Moda da Folha de S. Paulo e da revista eletrônica Trópico, da UOL. Foi editor do caderno Mais!, da Ilustrada, e correspondente da Folha em Paris.


Para saber mais, clique aqui

A internet isola ou aproxima?


A internet contribui
para isolar ou aproximar as pessoas? Pelo que percebo do comentário geral, parece prevalecer a idéia que a rede distancia as pessoas, que na era digital tenderiam a um modo de relação apenas virtual, frio, em detrimento do contato pessoal. Como estamos no olho do furacão, é difícil dar uma resposta definitiva - e a questão certamente é muito complexa e exige estudos aprofundados. Mas alguns indícios apontam para a direção oposta, ou seja, a web pode funcionar como um canal para aproximação das pessoas, incluindo os encontros fora da rede.

Pelo menos é que constata o estudo Annenberg Digital Future Project, divulgado ontem pela Universidade do Sul da Califórnia (USC). Segundo a pesquisa, para 43% dos americanos que pertencem a comunidades na internet, o mundo virtual é tão importante quanto o real. Os entrevistados pela pesquisa, que levou seis anos para ser concluída, fizeram amizade com 1,6 pessoa por ano em média. Em outras palavras, as relações construídas no meio digital se estenderam para o chamado mundo real.

Os pesquisados também conheceram, em média, 4,65 pessoas, com as quais se relacionaram exclusivamente no universo virtual. A web também ajudou 40% a manter o contato com amigos e parentes.

A blogosfera, por sua vez,
só cresce: o número de blogueiros dobrou desde 2003, o que significa que 7,4% dos internautas têm blogs. "Mais de uma década depois de a web se abrir para o público, estamos observando a emergência da internet como o poderoso fenômeno social e pessoal em que sabíamos que ela se transformaria", disse Jeffrey Cole, diretor do estudo, em comunicado.

E aí, o que você acha: a internet isola ou pode realmente fortalecer o contato entre as pessoas?

Clique aqui para obter mais detalhes sobre o estudo

Thursday, November 30, 2006

Mostra aborda cinema e direitos humanos



Os direitos humanos ocupam o centro da tela na Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, realizada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e o SESC-SP, com produção da Cinemateca Brasileira. Programada para a cidade de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife, a mostra será apresentada entre os dias 1 e 17 de dezembro – ou seja, começa nesta sexta-feira.

Ao todo, serão exibidos 28 filmes inéditos no circuito comercial brasileiro, entre longas e curtas-metragens produzidos em diferentes países da América do Sul a partir de janeiro de 2003.

A questão carcerária, a luta contra a discriminação, o trabalho escravo, as migrações, a acessibilidade universal para pessoas com deficiência e a defesa dos direitos políticos são alguns das temáticas presentes nas obras selecionadas.

A programação completa e outras informações, como local da exibição, podem ser obtidas por meio do site da Cinemateca.

Wednesday, November 29, 2006

Bom dia, com Lucille

O Rei está chegando: shows amanhã e de sábado a segunda-feira (leia mais). Acompanhado de Lucille.

Tuesday, November 28, 2006

Precisamos de Glauber Rocha

Veja o curta-metragem Di, do diretor de Terra em Transe


Estopim de mil e uma polêmicas, provocador, verborrágico e visceral, Glauber Rocha nos faz uma tremenda falta. Talvez ele tivesse muitas dificuldades para viver em um mundo globalizado pelo capital e totalmente intermediado pelos “mercados”, cercado pelo politicamente correto e anestesiado por doses cavalares de apatia. Mas, pensando bem, talvez ele tirasse de letra. Mandaria tudo para aquele lugar, bradaria “EU SOU O CINEMA NOVO!” e filmaria “poesias audiovisuais”, alucinadas e febris, como o curta-metragem Di (esse é o nome como a película ficou conhecida, mas o título original é Ninguém Assistirá Ao Enterro Da Tua Última Quimera, Somente A Ingratidão, Aquela Pantera, Foi Sua Companheira Inseparável!, - Di Cavalcanti di Glauber).

Com pouco mais de 15 minutos de duração, o curta foi rodado em 1976, durante o funeral do pintor Emiliano Di Cavalcanti, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Ele foi exibido em algumas sessões no próprio MAM, na TV Educativa e no Festival de Cannes, onde, por indicação de Roberto Rosselini, foi premiado em 1977.


Glauber, como ele próprio disse, decidiu fazer o filme para atender a um pedido feito a ele por Di algum tempo antes. Certo dia o pintor pediu que Glauber o filmasse. Mas na ocasião o diretor não pôde. Quando Di morreu, Glauber não pensou duas vezes: foi ao enterro e realizou a vontade do amigo.

E o fez ao melhor estilo glauberiano: aos berros, o diretor dava instruções para o cinegrafista, pedia a quem tocasse o morto para olhar para a câmera e, com o caixão já fechado, o cortejo andando, gritou: “Pára o caixão. Pára que eu quero a câmera do outro lado” (leia mais). Di foi um transe carnavalesco, nas palavras do crítico Luiz Carlos Merten, em Cinema – Entre a realidade e o artifício (Artes e Ofícios Editora).

Quem não gostou nada da idéia foi Elizabeth Cavalcanti, que considerou as filmagens no enterro um desrespeito e conseguiu na Justiça, em 1981, a proibição da exibição do curta. Mas agora o filme está disponível na rede.


Sobre a pendenga judicial, há quem sustente que a proibição é ilegal. É o caso de José Mauro Gnaspini, advogado que defendeu dissertação de mestrado na Escola de Comunicação e Artes em 2003. Aprovado, com menção de louvor, o trabalho apóia-se sobre o conceito de que a obra audiovisual é protegida pelo direito de autor. Por isso o processo que culminou na proibição do curta deveria ter contato com a participação de Glauber, o que não ocorreu, pois a ação foi assumida pela Embrafilme. Assim, a sentença seria nula ou inexistente.

Polêmicas à parte, Di tem garantido seu lugar na cinematografia brasileira e merece ser visto.

O machão bateu em retirada...

...e o cinema ficou na saudade

Friday, November 24, 2006

A gaita frenética de Rod Piazza

Na foto, Rod Piazza com sua esposa, Honey Piazza, tecladista da banda



E agora o som de Rod Piazza & The Mighty Flyers.

Overdose de blues



Hoje o dia é de blues - pelo menos aqui no Ponto de Fuga. Selecionei dois vídeos - coloco um agora, o outro virá no próximo post.

O primeiro é da banda curitibana Mister Jack. Criada nos anos 90, já rodou o Brasil e se consolidou como figurinha carimbada na cena blues brasileira. Tive a oportunidade de assistir a alguns shows deles aqui em São Paulo anos atrás, principalmente quando tinha aulas com o grande professor Ulysses Cazallas (em outra oportunidade escreverei sobre esse amigo e amante da gaita cromática). Ulysses foi um dos "professores", digamos assim, do Benê (Benevides Chiréia Júnior), o titular da gaita do Mister Jack - o Benê também mantém um projeto paralelo muito bom chamado Trupe da Gaita.

No vídeo abaixo, a banda toca Little Bitty Pretty One - Rockin Robin, do excelente Rod Piazza, gaitista californiano, um dos principais nomes da gaita na atualidade.

Wednesday, November 22, 2006

Um cineasta na contramão

A morte de Robert Altman, aos 81 anos

Um cineasta na contramão, um subversivo no ninho da águia, o jogador que filmava pelas beiradas. Cineasta independente de fato, que soube desenhar sua história à margem da grande indústria do cinema nos EUA, Robert Altman vai deixar saudades. Ainda mais nesses tempos bicudos em que a força econômica aperta o cerco a quem busca um caminho à parte do mainstream.

Tuesday, November 21, 2006

Veja o vídeo da briga entre Dado e João Gordo

Lembra da briga entre o ator Dado Dolabella e João Gordo no programa Gordo a Go-Go? A MTV colocou no site Overdrive, da própria emissora, o vídeo do barraco entre os dois marmanjos. As imagens também estão no YouTube.

Friday, November 17, 2006

Reminiscências ao som de New Order


New Order. 1980 e alguma coisa, eu moleque de tudo. Turma da escola, identidade em mutação, namoricos que começam a florescer – mais imaginação que qualquer outra coisa; as meninas da mesma idade só querem saber de caras mais velhos. E as mais velhas, com suas curvas insinuantes em estado de abundância, não dão bola para pirralho.

Começava a descobrir que gostava de rock and roll – e suas variadas vertentes, como punk, hard rock e o pós-punk regado a eletrônico do New Order.

Tinha 12 anos quando comprei o bolachão Brotherhood, LP de 1986. Até hoje me lembro da capa acinzentada, meio escurecida, sem figuras. Com músicas como Every Little Counts, que nas minhas viagens lembrava Lou Reed (Walk on the wild side), cujo som também acabara de conhecer. E Bizarre Love Tringle, a música do New Order que mais enfeitiçou na época e ainda hoje permanece em minha memória como a fotografia de um tempo bom. Na minha e na de uma turma sem-fim.

Prova disso foi a platéia vir abaixo quando a banda tocou a canção no show da terça-feira passada, aqui São Paulo. Foi de arrepiar: era a catarse de uma geração que cresceu ouvindo New Order, mas que nunca havia tido a chance de ver um show deles – o grupo só havia tocado no Brasil em 1988, quando eu ainda era muito moleque para encarar um show de rock. A casa inteira pulando, multidão enlouquecida. Outros grandes momentos foram com Blue Monday e Love will tears us apart, do Joy Division.

New Order. O tempo passa, chegam os primeiros sinais de rugas, não temos mais o mesmo pique que antes – embora relutemos em aceitar essa verdade inquestionável. Mas tudo bem, ainda temos muita lenha para queimar. O importante dessa história é que ainda há alguma coisa lá no fundo que nos mantém unidos ao que fomos no momento das primeiras descobertas da vida. Ainda bem. Estou vivo – e quero mais.


Videoclipe de Bizarre Love Triangle

Thursday, November 16, 2006

Sesc ameaçado

O tema cultura ficou relegado às sombras na última eleição – como de resto acontece não é de hoje neste País. Pois eis que o assunto ganha os holofotes de um modo indireto, e como decorrência daquilo que realmente atrai as atenções da mídia, do poder e do mercado: o aspecto econômico. Pior: vem com uma ameaça ao bom trabalho cultural desenvolvido, por exemplo, pelo Sesc.

Resumindo, a história é a seguinte: o Senado aprovou no dia 8 deste mês a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que institui o Supersimples. Entre outros pontos, a lei dispensa as empresas com renda bruta anual de até R$ 2,4 milhões de contribuir com o chamado Sistema S (Sesc, Sesi, Senac, Senai). Um acordo entre o governo federal e os estados adiou o início da vigência da lei de janeiro para julho de 2007, mas ela ainda precisa passar pela Câmera dos Deputados.

Preocupado com a perda financeira provocada pela nova lei, o que vai comprometer uma série de atividades, o Sesc ameaça recorrer à Justiça, conforme notícias veiculadas pela imprensa.

“Ao permitir que as micro e pequenas empresas fiquem isentas da contribuição, é como se quisessem dizer que essas entidades não têm importância ou que poderiam ser substituídas, o que é uma falácia", declarou Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc-SP, ao Diário do Grande ABC, no dia 4 de novembro. Segundo o jornal, o Sesc perderia cerca de um terço de sua receita, ou seja, R$ 10 milhões mensais a menos. A entidade atende 1 milhão de pessoas por mês, com atividades de cultura, lazer, esporte e educação, entre outras coisas.

O objetivo da nova lei é desafogar as micro e pequenas empresas, que se vêem emparedadas pelo excesso de tributos. A desoneração dos empreendimentos de pequeno porte é mais do que justa: é necessária. Mas daí a prejudicar uma entidade como o Sesc, cujo trabalho reconhecidamente se pauta pela difusão cultural no mais alto grau, é uma atitude descabida. Mais uma vez, a cultura – entendida em seu sentido mais amplo – é vista como algo de segunda categoria. Dispensável.


Abaixo, selecionei algumas matérias sobre o assunto, para quem desejar obter mais informações sobre o tema.

Carta Maior

UOL

Diário do Grande ABC

Silvio Santos, decifre a charada

A espontaneidade da criançada é um dom divino; um verdadeiro talento. Que o diga o Silvio Santos, que já se viu em maus lençóis por conta disso, como se vê nesse vídeo que está disponível no YouTube e circula pela internet. Pelo que me parece, é do lendário programa Domingo no Parque. Uma pérola.

Wednesday, November 15, 2006

Oficina com a cineasta Eliane Caffé

A Paulista Cultural está com inscrições abertas para a oficina “A pré-visualização na criação da obra cinematográfica”. Ministrado pela cineasta Eliane Caffé (Narradores de Javé e Kenoma), o curso pretende, por meio de exercícios práticos, mostrar a importância e como se desenvolve a preparação de um filme, fase fundamental para os rumos da obra. É nessa etapa, por exemplo, que são discutidos os critérios que vão estimular a criação das diferentes áreas envolvidas na produção, garantindo assim a unidade do processo criativo em todos os setores envolvidos no projeto.

As inscrições podem ser feitas na própria Paulista Cultural, de segunda a sexta, das 14h às 20h. Mais informações pelo e-mail paulista@paulistacultural.com.br ou pelo telefone 3257 44 72.

Serviço:
Quando: de 20 a 25 de novembro
Horário: das 19h30 às 22h30; no sábado, das 14h às 18h
Onde: Paulista Cultural, na avenida Paulista 2518 conjunto 12 (próximo ao metrô Consolação), em São Paulo.
Quanto: R$ 280,00, com possibilidade de dividir o pagamento em 2 vezes
Número de vagas: 15

Tuesday, November 14, 2006

A filosofia da liberdade de Espinosa

Acabo de ler Espinosa – Uma filosofia da liberdade, de Marilena Chauí (Editora Moderna). Fiquei impressionado com a capacidade desse pensador holandês de origem judaica de ser de ser odiado pelo status quo da ocasião. Ele foi capaz de despertar, no século XVII, a ira da Igreja e da própria comunidade judaica, que o considerou herege. Entende-se: árduo defensor da liberdade de pensamento e de expressão, colocou-se contra a tirania teológico-religiosa e defendia a idéia, conforme escreve a professora Marilena, de que a “democracia é o mais natural dos regimes políticos” porque realiza nosso direito natural pelo qual todos os homens “desejam governar e não serem governados”.

Baruch de Espinosa dizia, em Tratado Teológico-político, que a Bíblia não tinha como objetivo apresentar uma teoria sobre a verdadeira essência de Deus. Na verdade, buscava tão somente “oferecer à imaginação dos devotos um conjunto muito simples de crenças religiosas e morais, necessários aos que não aspiram ao conhecimento racional e filosófico de verdade”, escreve Chauí.

Ainda estou digerindo a pancada que são as idéias de Espinosa – aos poucos, em doses homeopáticas, que é para não entrar em curto-circuito. Em todo caso, reproduzo aqui um trecho de Espinosa – uma filosofia da liberdade que me chamou particular atenção, dado o fato de vivermos o apogeu da sociedade de consumo e seus reflexos mais dramáticos, entre eles, o empobrecimento das relações humanas. Lá vai:

“No Tratado da correção do intelecto, Espinosa parte da experiência individual e intersubjetiva como experiência trágica: o sentimento de perder um bem desejado cada vez que se imagina tê-lo alcançado. Essa fuga interminável de bens que se consomem e nos consomem divide os homens e os aliena porque imaginam a felicidade depositada em coisas que precisam ser possuídas com exclusividade.

Essa perda incessante torna impossível não só a realização do desejo de felicidade, mas também a liberdade, lançando os homens numa guerra sem freios pela posse dos objetos nos quais investiram sua esperança. Eis por que Espinosa dirá que a felicidade e a infelicidade dependem da qualidade do ser ao qual nos unimos por amor, porque há entre o desejar e o desejado um vínculo intrínseco.

Amando coisas perecíveis e cuja posse exclui os demais, a felicidade será perecível e ameaçada pelo desejo de outrem. A felicidade é desejar um Bem imperecível que, sendo capaz de ‘comunicar-se igualmente a todos’ e de por todos ser compartilhado, permite o exercício da liberdade.

Espinosa não duvida da existência desse Bem como não duvida de que possamos alcançá-o. O Tratado visa oferecer à inteligência os recursos para chegar ao bem verdadeiro. Com isso, Espinosa articula internamente o desejo da felicidade, da liberdade e da verdade.”

Sunday, November 12, 2006

Faça bem aos seus ouvidos: ouça Leslie Feist


Estamos acostumados com amor à primeira vista. Pois neste final de semana fui alvo de amor à primeira audição. Conheci, por meio do Bitácora, blog do meu amigo João Paulo ( dá uma olhadinha ali do lado direito, na lista de blogs), o som da canadense Leslie Feist.


Delicada, mas nada adocicada; leve, sem a busca do apelo fácil. Melodia para acalmar os ouvidos, a alma e fazer a gente flutuar. Navegando pelas praias indies, de namoro com o folk - há até quem diga que com a bossa nova, não por conta da música que selecionei neste post, claro -, Feist conquista pela doçura poética de sua voz e nos convida para uma viagem de última hora, desencanada e despretensiosa, que encanta pelo que esconde e seduz pelo que finge não ser.

Agora, fique com o videoclipe da música Mushaboom.



Saiba mais no site.

Friday, November 10, 2006

Show extra de B.B. King



Boa notícia: B.B. King vai fazer show extra. Mais detalhes na matéria do jornalista Helton Ribeiro, da Revista Blues'n'Jazz.

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B.B. King fará mais um show extra em São Paulo
Por Helton Ribeiro



B.B. King fará mais um show extra em São Paulo, dia 04 de dezembro, no Via Funchal. Os portadores do cartão Unicard (Unibanco) podem comprar ingressos a partir do dia 10 de novembro; o público em geral, a partir do dia 15. Os preços vão de R$ 95 a R$ 480.

Outra boa notícia é que, para os shows dos dias 02 e 03, foram colocados à venda mais ingressos, na platéia VIP e nos setores 01 a 03.

E já começou o leilão de ingressos para a apresentação no Bourbon Street, dia 30 de novembro. Estão sendo oferecidos por esse sistema os vinte melhores lugares da casa paulista. O lance mínimo é de R$ 1.200.

Os lances devem ser feitos pelo call center (11-5095-6100), que emitirá boletins diários aos participantes. A renda será revertida integralmente para a instituição filantrópica Cruz Verde, e os compradores receberão um documento que permitirá descontar do Imposto de Renda o valor pago.

Os outros ingressos para o Bourbon, de R$ 900, já estão esgotados.

Rio e Curitiba

No Rio de Janeiro, continuam à venda os ingressos para o show único em 07 de dezembro, no Rio Vivo (nova sala que fica no complexo do MAM, no Aterro do Flamengo).

Em Curitiba, o show será no dia 03 de dezembro, no Teatro Guaíra.

Essas são as três únicas cidades que receberão o rei do blues. Outras praças que chegaram a ser sondadas, como Brasília e Porto Alegre, acabaram ficando de fora da turnê. E, conforme noticiado pela Blues'n'Jazz, as datas constantes no site oficial de B.B. King não se confirmaram.

Curso superior de rock and roll

Meu amigo Fábio Barbará repassa uma notícia interessante. A Unisinos, do Rio Grande do Sul, abriu um curso superior de rock. É isso mesmo que você leu. É o curso superior de Formação Específica de Produtores e Músicos de Rock.

O coordenador do curso é Frank Jorge, do Graforréia Xilarmônica, banda gaúcha fundada nos anos 80 – ele também foi do Cascavelletes.

O texto abaixo, preparado pela universidade, traz mais detalhes. Para quem quiser saber mais, acesse o site.
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O som profissional

Unisinos lança Curso Superior de Formação Específica de Produtores e Músicos de Rock
Texto: Danielle Titton



“Pai, quero ser músico”. Essa frase promete nunca mais incomodar famílias preocupadas em ver o filho seguir uma trilha profissional que não passa pela universidade. A Unisinos acabou de criar a solução para quem sempre quiser seguir carreira mas sentia falta de uma base educacional e um pouco de motivação para enfrentar o competitivo mundo musical. O nome é comprido, mas a moral é bem simples: curso superior de Formação Específica de Produtores e Músicos de Rock.

A modalidade está disponível no vestibular de verão, que ocorre em 2/12. Com duração de dois anos e meio, e 40 vagas disponíveis, o curso tem por objetivo formar um profissional completo: um misto de instrumentalista, compositor e arranjador, mas que também saiba operar softwares de áudio, produzir discos, fazer críticas musicais e dialogar com os meios de comunicação. Não é só aprender a tocar. O negócio é ser um músico capaz de gerenciar sua carreira.

Para que tudo isso seja colocado em prática, o projeto político-pedagógico caprichou no conteúdo. Os alunos irão trabalhar em quatro módulos – Construção de Referências Musicais, Identidade Musical e Elaboração de Repertório, Produção Musical e Preparação da Carreira - que variam de acordo com a necessidade e característica de cada tema.

Um dos grandes diferenciais da formação é a preparação do aluno para trabalhar com a questão autoral. Durante o módulo Identidade Musical e Elaboração de Repertório, o estudante terá noções de marketing, legislação, história do rock e desenvolvimento da carreira musical. “É importante que, cada vez mais, os músicos façam as escolhas certas na carreira. É ruim chegar em uma rádio, num programa de TV e falar um monte de abobrinha. E é isso que faz desse curso algo totalmente fora do tradicional, que mostra uma mudança no papel do músico”, disse Frank Jorge, professor e um dos idealizadores da proposta.

A formação fechou parcerias com estúdios como o Plus (São Leopoldo) e o Music Box (Porto Alegre), além de gravadoras como a Trama (São Paulo), a Senhor F. Discos (BSB) e a Plus Records (São Leopoldo). O apoio também virá das lojas Multisom, dos bares Opinião e Ocidente (Porto Alegre) e do Café do Bordo (São Leopoldo) e de inúmeros veículos de comunicação.

Thursday, November 09, 2006

Paul Valéry e o ódio ao autor


"Só se lê aquilo que é lido com algum propósito pessoal. Pode ser até com a intenção de adquirir poder. Pode ser até mesmo com ódio ao autor" (Paul Valéry)

Wednesday, November 08, 2006

Como Truffaut, somos todos incompreendidos

Quando estão terminados, apercebo-me que os meus filmes meus filmes são sempre mais tristes do que eu pretendia (François Truffaut)


*Jean-Pierre Léaud (em destaque), o Antonie Doinel de Os Incompreendidos, o primeiro longa-metragem de François Truffaut

Desamparado, sozinho no mundo, lá vai Antoine Doinel para o cinema, seu refúgio. Ver cinejornal. Sua fuga e sua liberdade. Lá vai Antoine cabular aula com o René, o único amigo que tem na vida. Lá vai Truffaut, e nós com ele, com a certeza de que o mundo em, Os Incompreendidos, tem um pedaço de todos nós.

*O trailler do filme


*Agora, uma das passagens mais
lindas de Os Incompreendidos: a cena flagra o encanto das crianças com o teatro de marionetes. Magia pura.

Mombojó: caos, poesia e futuro



Curto-circuito sonoro, poesia para domesticar o caos; inquietude. Canções que explicam e confundem, como Tom Zé. Homem-espuma, nadadenovo – não acreditem nisso: desse baú poético-lunático-musical os experimentos apontam para o futuro. Tudo é novo e ao mesmo já visto. Del Rey. Liquidificador, afrociberdelia, som de graça na internet, samplers, som de pista, rock alucinado. Mangue Beat deglutido.

Mombojó é tudo isso – e muito mais.


Quem quiser baixar os dois CDs da banda, basta acessar o site

Veja o videoclipe de Deixe-se acreditar, do CD Nadadenovo, o primeiro da banda pernambucana ( o segundo é o Homem-espuma)



Agora veja o de Cabidela, também do Nadadenovo

O homem da Variant

Já imaginou morar num carro? E se a "residência" for uma Variant 68?
Pois veja o curta-metragem abaixo e conheça a história de Sagu, um catador de recicláveis que mora no coração da Vila Olímpia - em uma Variant 68.


Dirigido por Fábio Barbará, o filme Variant foi editado por Tiago Cururu. A produtora atende pelo sugestivo nome de Saideira filmes.

Polêmica na internet

Veio à tona nesta semana uma polêmica sobre a qual é bom ficarmos muito, mas muitos atentos. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado pretendia votar hoje um projeto de lei sobre crimes digitais que estabelece, entre outras coisas, a obrigatoriedade de identificação dos usuários de internet antes do início de qualquer atividade interativa. Isso quer dizer que, para mandar um e-mail, entrar numa sala de bate-papo, baixar músicas, filmes, imagens ou criar um blog, por exemplo, você precisaria preencher um cadastro informando nome completo, RG, CPF, endereço e número de telefone. Mas não pára por aí: o acesso só seria liberado depois que o provedor comprovasse a veracidade dos dados.

Diante das fortes contrárias à medida – de provedores, ongs, internautas –, o projeto foi retirado de pauta, como informam várias matérias na imprensa. Alegação para o adiamento, segundo, a assessoria do autor do projeto, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), é de que a proposta deve ser debatida com a sociedade.
Isso é o mesmo que dizer que, pelo fato de a idéia ter sido bombardeada, o distinto político mineiro resolveu colocar as barbas de molho – pelo menos por enquanto.

Também pudera: o projeto de lei é de um verdadeiro ataque ao livre acesso à internet. É a burocratização no mais alto grau. Em outros termos, insensatez.

Como pano de fundo desse projeto estão os interesses de instituições financeiras, como bancos e operadoras de cartão de crédito, que vêem na medida uma maneira de coibir crimes digitais. Eles só esqueceram de dizer que hoje já é possível rastrear os responsáveis por crimes virtuais, por meio do registro do IP (protocolo de internet) dos usuários.

Para situar melhor a discussão, reproduzo aqui uma matéria publicada no site IDG Now e alguns links a respeito do assunto.
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Projeto de lei sobre crimes digitais é retirado da pauta do Senado

Por Redação do IDG Now!

Publicada em 07 de novembro de 2006 às 19h16

São Paulo - A polêmica lei que seria votada nesta quarta-feira (08/11) deve ser submetida a opiniões da sociedade antes de voltar à pauta.
O polêmico projeto de lei sobre crimes digitais que seria votado nesta quarta-feira (08/11) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado foi retirado da pauta para ser submetido a análise e novas sugestões da sociedade, de acordo com a assessoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB), relator da proposta.

Segundo a assessoria não há prazo definido para que o projeto volte à pauta e o Senado pode promover novos debates com a sociedade acerca dos artigos previstos na lei e fazer modificações antes de levá-lo novamente a votação.

O projeto substitutivo que seria votado na quarta-feira vem causando polêmica antes mesmo da sua aprovação. A proposta, que condensa projetos que vinham tramitando tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, determina penas para crimes digitais e imputa responsabilidades aos provedores e usuários de internet no Brasil.

Um dos pontos mais polêmicos é a exigência de que os provedores mantenham cadastro completo e validem o acesso dos internautas com base nos seus dados pessoais a cada conexão à web. Além disso, os provedores serão obrigados a manter os registros de acesso (logs e endereço IP) por no mínimo três anos.

A pena prevista para o provedor que permitir o acesso sem identificação é de detenção, de um a dois anos, e multa. Além disso, o provedor que não mantiver os registros de acesso por três anos está sujeito a dois a seis meses de prisão.

Se de um lado críticos da proposta consideram a exigência de cadastro e identificação um risco às liberdades civis dos usuários e uma burocratização do acesso à rede, de outro seus defensores acreditam que a medida deve assegurar a identificação e a punição dos criminosos virtuais, além de estar garantida na constituição.

Outro ponto polêmico apontado por críticos ao projeto é o chamado “acesso indevido”, que prevê punição de dois a quatro anos de prisão tanto para quem praticar tal crime quanto para quem fornecer os meios para que ele seja praticado - ou seja, o provedor de acesso.

A crítica a este ponto reside na falta de especificidade da legislação, que deixa aberto à interpretação dos juízes o que seria o chamado “acesso indevido”. Além disso, a pena é considerada elevada e incompatível com a natureza do crime.

O projeto substitutivo elaborado pelo senador Azeredo possibilitaria a tramitação conjunta do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 89, de 2003 (n° 84, de 1999, na origem), e os Projetos de Lei do Senado (PLS) n° 137, de 2000, e n° 76, de 2000, todos referentes a crimes na área de informática. Após ser votado pela Comissão, o projeto vai à plenário no Senado e volta à Câmara dos Deputados, sendo que, se aprovado, requer ainda sanção do presidente da República.

Entre outros tópicos, o projeto de lei prevê ainda pena de um a três anos de prisão para criação e difusão de vírus em redes de computadores ou na internet; pena de dois a quatro anos de detenção para obtenção indevida de dados nas redes; e pena de um a dois anos de prisão para violação ou divulgação indevida de dados privados na web.

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Alguns links com textos sobreo assunto.

Entenda o projeto de lei

Projeto de lei no Senado prevê controle da Web brasileira


Projeto pretende controlar livre acesso à Internet

Sunday, November 05, 2006

A porta (ou O delírio cibernético)

“Quando eu tinha dez anos, levava para a escola a chave de casa, porque voltava antes de meus pais, que às vezes trabalhavam até tarde. Numa noite de inverno, quando cheguei na porta de casa, procurei a chave e não achei. A casa estava isolada. A noite caía. Estava sem a chave. Fiquei esperando na frente de casa. Uma hora, duas horas, três horas. Meus pais não chegavam. Achei que nunca mais fossem voltar. Pus-me a chorar. Sentia-me muito sozinho, abandonado, exilado, infeliz. Finalmente meus pais chegaram. “Por que você está chorando?”, perguntaram.“Como vimos que você tinha esquecido a chave, deixamos a porta aberta”. Empurrei a porta. Ela estava aberta. Não tinha sem sequer pensado em abri-la sem a chave.

Quis contar essa história antes de começar só para dizer que sei que você não tem a chave. Ninguém nunca a teve. Não precisamos de chave. A porta está aberta. Entre em sua casa.”
(Pierre Lévy, em O Fogo Liberador, editora Iluminuras)



Não abri a porta. Na verdade, não rodei a catraca do estacionamento. Fim de expediente, ia para o carro, no terceiro subsolo. Notei que estava sem o crachá que libera eletronicamente a passagem. Voltar? Nem pensar.Vou adiante, mostrando que, para mim, cancelas existem para que sejam transpostas. E não adianta esse olho onipresente em formato de bola de futebol de salão ficar me espiando. Pode olhar. Eu pulo. Cibernética de meia tigela. Você pode comigo em outras coisas: rastreia meus dados bancários, instala um chip em meu cérebro para saber a cor da embalagem de sucrilhos que mais me apetece. Sabe até se eu acessei algum site com fotos da Gretchen nuinha da silva. Pela minha íris, sabe se meu CPF está na Serasa ou no SPC.
Mas aqui, nesse momento, eu dou uma banana para você e pulo. Sei que você pode cerrar a outra cancela, aquela que vai impedir meu carro de passar, mas eu também passo por cima dela. Igual nos filmes americanos. Duvida?
Pronto. Pulei.

– Hei, porque você não rodou a catraca?, falou uma mulher que acabara de chegar.

O sistema estava desligado. A passagem estava liberada.

Clayton

A leitura do intervalo



"O mundo da literatura é um universo no qual é possível fazer testes para estabelecer se um leitor tem o sentido da realidade ou é presa de suas próprias alucinações" (Umberto Eco, em Sobre a Literatura)

Reflexões sobre a era digital

Nesta semana haverá uma boa oportunidade para reflexões a respeito da era digital. Está marcado para os dias 7 e 8 (terça e quarta), na PUC-SP, no auditório do Tuca, o Simpósio Internacional Fiat 30+ – Pensar e Experimentar o Futuro. Organizado pela Fiat e realizado pela TV Cultura, o encontro terá debates a respeito de temas como a realidade do mundo virtual, as tecnologias do futuro, inteligência artificial, convergência de mídias e estratégias para preservação da memória numa época pautada pela digitalização. Entre os palestrantes brasileiros estão o médico Ivan Isquierdo, o artista multimídia Lucas Bambozzi e o filósofo Nelson Brissac. Do exterior, vêm o crítico e curador de novas mídias Steve Dietz (EUA) e o inglês Matthew Fulleré, professor de mídias digitais, entre outros convidados.
Grátis, as inscrições devem ser feitas exclusivamente pela internet.


Simpósio Internacional Fiat 30+
Quando: 7 e 8 de novembro, das 9h30 às 18h
Onde: TUCA (Teatro da Universidade Católica - PUC-SP)
Rua Monte Alegre, 1.024, Perdizes - São Paulo - SP
Telefone: (11) 3670-8453

Friday, November 03, 2006

Plebe Rude em São Paulo


Recentemente estive numa festa cuja trilha foi do forró ao punk em questão de minutos. De Fala Mansa aos Ramones. Me senti bem mais confortável com a segunda opção. De um pólo a outro, a transição contou rock nacional dos anos 80. Barão Vermelho, Titãs, Legião, Ultraje a Rigor, Inocentes – e Plebe Rude, os outsiders de Brasília, banda que fará show nos Sesc Pompéia, em São Paulo, nos dias 24 e 25 de novembro. Na capital, também haverá apresentação no Kasebre Rock Bar, na Zona Leste, também no dia 25 deste mês. A turnê inclui, por enquanto, Brasília e Rio de Janeiro.

A banda está divulgando o CD “R ao Contrário”, lançado pela Revista Outracoisa, de Lobão. É a estréia, em disco, da formação que vem tocando desde 2004: os fundadores Philippe Seabra (vocal e guitarra) e André X (baixo), mais Clemente (guitarra e vocal), do Inocentes, e o baterista Txotxa, ex-Maskavo Roots.

Já comprei os ingressos para o show. Fiquei particularmente entusiasmado com a possibilidade de ver a Plebe depois de tantos anos. Será que a banda está disposta a repisar os louros de outros tempos, só para descolar alguns trocados? Será agora um simulacro de si mesma? Difícil dizer, mas não acredito. Se mantiverem a dignidade estética que sempre pautou a banda, já me darei por satisfeito. Nesses tempos de pop rock borocoxô, a Plebe é mais do que necessária.

Dá-lhe Jonny vai à Guerra, Até quando Esperar, A Ida; dá-lhe Minha Renda, Proteção, Este Ano.

O site da Plebe banda traz histórias, entrevistas, data de shows e discografia.

Para relembrar, vão aí uns vídeos.

Videoclipe de "Até quando esperar"


Videoclipe de "Proteção"

Thursday, November 02, 2006

100 milhões de sites

Em outubro, a internet alcançou uma marca impressionante: 100 milhões de sites com domínio de nome ou conteúdo. Os dados são da Netcraft, empresa de medição, conforme nota publicada na Folha de S.Paulo de hoje. Para ter uma idéia da velocidade da expansão, em 2004 eram 50 milhões, ou seja, o número dobrou em dois anos.

Wednesday, November 01, 2006

Emir Sader condenado

Deu hoje no site da Carta Maior que Emir Sader foi condenado porque chamou Jorge Bornhausen de "racista", em razão de o pefelista ter dito que o País ficaria livre "dessa raça" (os petistas). O curioso é que Emir ainda perdeu o cargo de professor da Uerj. Demais, não? Será que todo esse rigor é se deve ao fato de que o alvo é nada mais nada menos que o cacique do PFL?

Veja a matéria da Carta Maior:

A POLÊMICA DA ‘RAÇA’

Emir Sader é condenado em processo movido por Bornhausen; cabe recurso

11ª Vara Criminal de São Paulo condena colunista a um ano de prestação de serviços à comunidade e à perda de seu cargo de professor na Uerj por ter chamado senador de 'racista'.

Marcel Gomes* – Carta Maior

SÃO PAULO – O cientista social e colunista da Carta Maior Emir Sader foi condenado à perda de seu cargo de professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a um ano de detenção, em regime aberto, conversível à prestação de serviços à comunidade, pela 11ª Vara Criminal de São Paulo, que julgou um processo de injúria movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC). Cabe recurso à decisão, ainda em primeira instância.

Na sentença, o juiz Rodrigo César Muller Valente avaliou que Sader cometeu crime ao tratar Bornhausen como “racista” em um artigo publicado na Carta Maior em 28 de agosto do ano passado. O colunista se referia a uma manifestação pública do senador feita dois dia antes, na qual, ao ser questionado em um evento com empresários se estava desencantado com a crise política, ele respondeu: “Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos”.

Marcelo Bettamio, advogado de Sader, disse que irá recorrer da decisão, que só passa a valer após o trânsito em julgado da sentença. Segundo ele, houve cerceamento do direito de defesa durante o trâmite do processo. “O juiz não intimou as testemunhas de defesa, cujo comparecimento ao Tribunal fora pedido pelo defendente”, alega. Sobre a cassação do professor de seu cargo na Uerj, Bettamio considera a decisão descabida, uma vez que o artigo assinado por Sader não tem relação com sua função docente naquela universidade.

O senador Jorge Bornhausen foi procurado para se manifestar sobre o caso, mas sua assessoria disse que ele não se manifestaria. O juiz Rodrigo César Muller Valente também foi contatado através de sua secretária, mais ainda não respondeu à solicitação de entrevista.

A polêmica
Na época, ao explicar a declaração, Bornhausen disse se referia aos petistas e à expectativa de que Lula fosse derrotado nas eleições deste ano. A expressão “raça” utilizada por ele gerou manifestações de repúdio no governo, no PT e em esferas da esquerda. Cartazes acusando o senador de racismo chegaram a ser distribuídos em Brasília. Diante da repercussão, o senador, que também é presidente do PFL, publicou um artigo no jornal Folha de S. Paulo, em 29 de setembro, em que tentava explicar o uso da expressão.

“Quanto a ter usado a palavra ‘raça’ – não como designação preconceituosa de etnia, ideologia, religião, caracteres, mas como camarilha, quadrilha, grupo localizado –, tão logo alguns falsos intelectuais surgiram, incriminando-me, apareceram preciosos testemunhos a meu favor. Confesso que falei "dessa raça" espontaneamente, sem premeditação, usando meu modesto universo vocabular, a linguagem coloquial brasileira com que me expresso, embora meus adversários tentem me isolar numa aristocracia fantasiosa”, escreveu Bornhausen.

Segundo o advogado Marcelo Bettamio, na apresentação de sua defesa, Emir Sader alegou que, ao usar o termo racismo, “não visou ofender a honra nem subjetiva nem objetiva do senador, mas sim fazer uma crítica a um parlamentar que fez uma declaração pública, perante a mídia, com termos preconceituosos”. Bettamio considera que, através do artigo na Folha de S. Paulo, o próprio senador se retratou. “O prof. Emir Sader apenas exerceu o direito à livre manifestação e à crítica, salvaguardado na Constituição”, disse o advogado.

* Colaborou Flávio Aguiar

ps: para ver o artigo site da Carta Maior, clique aqui

Réplica do Ponto de Fuga

Diego,

obrigado pelos parabéns. Em todo caso, a congratulação não deve ser dedicada mim, mas sim a você e a todos os demais amigos que aqui se manifestaram ou que, ainda que não o tenham feito, acompanham a discussão. Fico feliz que estejamos usando a internet – um instrumento fantástico – também para refletir, questionar a nós e aos outros, compartilhar experiências e visões de mundo. E não vai aqui nenhuma dose de hipocrisia ou demagogia: é realmente o que penso.

Tanto assim o é que suas palavras me fizeram pensar. Será que escrevi bobagem? Será que realmente valeu a pena votar no Lula para evitar o outro caminho? Terá sido essa a melhor posição no momento?

Me lembro de nossa conversa no “boteco de quinta categoria”, depois de uma surra futebolística fenomenal. Entre um gole e outro, filosofamos sobre o Brasil – e lamentamos haver tanto perna de pau em nosso time.

Sim, me lembro que comentou a respeito da Carta ao Povo Brasileiro, que de fato indicava o caminho que o governo do PT seguiria. Me recordo que nunca nutriu esperanças com Lula.

Mas você também deve lembrar que argumentei que não esperava mil maravilhas de Luís Inácio. Já naquele momento estava claro que, para chegar ao poder, a cúpula que dominava o partido estava disposta a concessões e mais concessões; era visível que a busca enlouquecida pelo poder havia arrefecido o sentido de transformação social que em outros tempos Lula representava. Também deve se lembrar que argumentei que a cúpula do partido – a mesma que assumiu o comando do governo – não representava a maioria dos petistas.

Mesmo com todas essas ressalvas, ainda assim, dizia eu, historicamente seria importante para o Brasil a vitória de um partido que – bem ou mal – nasceu da esquerda e poderia, assim, arejar o debate político, contribuir para frear o conservadorismo político que sempre grassou no País. Mesmo que moderado – ou reformista, como queira –, a chegada do PT ao poder poderia de alguma forma significar alguns passos para modernizar o País. Se não pelos seus méritos, pelo menos pelo fato de frear o ideário conservador e permitir o avanço de grupos mais progressistas. Uma visão, portanto, sem grandes ilusões.

É claro que, na época, era inevitável que a emoção com a vitória de um ex-líder sindical do PT aflorasse. Talvez isso possa ter passado a impressão de um entusiasmo além da conta.
Para mim, no entanto, estava claro que Lula não romperia com o modelo pré-estabelecido. No máximo iria gerenciá-lo, com a diferença que daria a ele contornos um pouco mais progressistas. Vai perguntar se achava isso bom? Não, não achava – ele não foi eleito para gerenciar uma máquina falida, mas sim para transformar o País. Mas era isso imaginava que fosse acontecer.

O que eu acreditava, sim, é que haveria um avanço considerável na educação e na área social – por favor, não estou falando de Bolsa Família, mas sim de ações que de fato contribuíssem para a construção da cidadania e da distribuição de renda. Esperava avanços no diálogo com os movimentos sociais – e que isso se concretizasse em ações efetivas –, nas políticas de afirmação social, na defesa dos direitos civis. E que no plano externo o Brasil finalmente assumisse um papel assertivo.

Quatro anos depois, muitas dessas esperanças ruíram – e aqui faço coro às suas críticas. O Brasil não rumou para uma concepção de educação transformadora, os movimentos sociais ocuparam papel secundário, as vozes mais progressistas ficaram a falar com as paredes. Isso sem falar nos atos de corrupção e na manutenção de uma relação promíscua com o Congresso.

Em todo caso, me parece inegável a importância da colocação de alguns temas na agenda política: estão aí as ações de afirmação social, a discussão sobre o software livre, a política externa assertiva.

Mas o que se coloca agora, em 2006 – pelo menos para mim – não é a defesa desse governo. Em vez disso, a argumentação é que, mesmo com a decepção provocada pelo governo Lula, ainda assim era melhor ter Lula lá que abrir espaço para uma vertente explicitamente conservadora e fiel a um receituário neoliberal até às vísceras, com histórico de truculência no contato com movimentos sociais e moldada por um fundamentalismo religioso e moral.

A vitória do PSDB significaria o triunfo de um ideário que prega o Estado mínimo, a intolerância com os direitos humanos, uma política externa que desarticularia os esforços de integração dos países ditos “emergentes”. Sobre essa questão, aliás, é importante citar que a reeleição do Lula, no tabuleiro do xadrez político internacional, representa delimitar a influência geopolítica dos EUA na América Latina – alguém aí fala de Alca hoje? Para que outras frentes de esquerda ganhassem força na AL, era importante a vitória de Lula.
Para terminar, volto ao Chico Oliveira: “votei Luiz Inácio porque a urna eletrônica tinha apenas o seu nome e o do seu adversário, o já manjadíssimo e em derretimento 'picolé de chuchu'".

Você criticou Chico Oliveira por uma suposta mudança de posição da parte dele. Sugiro uma leitura mais atenta do artigo que postei aqui no blog. Em nenhum momento ele rechaça as críticas que ele próprio fez ao Lula, algo na linha “esqueçam o que escrevi”. Pelo contrário: reafirma a posição crítica, e diz que, mesmo com todas as ressalvas, votou no Lula por falta de opção, para conter um outro grupo que representaria uma ameaça ainda maior. “Votei no nome do presidente, que, espero, se traduza em transformação. Com um pé atrás. Este artigo é também a continuação da crítica que fiz ao primeiro mandato e que continuarei no segundo”, diz Chico Oliveira.

É exatamente a minha posição.
Clayton

Tuesday, October 31, 2006

Contra-argumentação: Lula não

O amigo Diego postou uma resposta - no espaço destinado a mensagens referentes ao post "Artigo de Francisco de Oliveira" - que merece vir para o centro de debate. Reproduzo aqui ele escreveu.


Parece escusado explicar uma cousa de si tão simples e intuitivamente compreensível. Sucede, porém, que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável.“
Fernando Pessoa

Clayton,

Antes de mais nada, parabéns. Seu post do artigo do Chico de Oliveira conseguiu gerar uma grata polêmica. Com a citação acima quis apenas alertar para a “bondade” de meus propósitos... eu, particularmente, trocaria a palavra “estupidez” – que pode vir a ser considerada como agressiva e vulgar - por “persistente cabeçadurismo”. Mas, quem sou eu pra corrigir o poeta?
Não sei se você se lembra, mas poderíamos considerar esta polêmica como uma continuação de uma conversa que começou pouco antes da eleição presidencial de 2002 em um boteco de quinta categoria que fica perto do Sesc Lapa - local onde fomos mais uma vez massacrados em uma partida de futsal por uma equipe adversária (aliás, que novidade...). Já naquela época – e isso é bom que fique claro pra que não me acusem de oportunista agora – eu te dizia que o governo Lula não mudaria em nada nosso País e, baseava minha afirmação no que se deixava entrever na famigerada “Carta ao povo brasileiro” que o dito cujo havia publicado pouco tempo antes da eleição.
Você conhece um pouco de minha história pessoal, por isso não vou aqui querer estabelecer um debate sobre quem militou mais, quem tem mais história de luta, quem é de esquerda, quem age e quem fica parado. Esse tipo de adjetivação serve sempre a quem não tem conteúdo político, nem ideologia sólida para basear suas posições. Mas como vi que alguns posts quiseram descambar pra esse lado deixo a possibilidade de entrar em contato comigo (vc tem meu e-mail) e, com prazer, contarei uma ou outra historinha que acumulei em alguns anos de vida (felizmente não muitos, porém bastante profícuos).
Entrando no tema do debate em si, fiquei pensando como poderia deixar mais clara a minha posição. Como explicar o voto nulo no segundo turno? Como dizer a quem se diz de esquerda que é errado votar no Lula? Como contar que tanto PT como PSDB tem um programa social-democrata? Passei esta tarde pensando nisso, até que me lembrei que sempre é bom recorrer aos clássicos. Sou do tempo em que ser de esquerda significava ter um mínimo conhecimento de Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Gramsci, Guevara, entre outros que eu considero verdadeiramente grandes.
Pesquisei um pouco e não precisei chegar tão longe para encontrar uma boa defesa de minha posição. Portanto, segue abaixo a transcrição de parte de uma carta de um eminente esquerdista brasileiro que explica bem a minha posição. Mas, advirto: apreciem com moderação...


[...] Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço [...], uma política de alianças descaracterizadora, uma "caça às bruxas" anacrônica e ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza --enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato de FHC. (Agora o quarto!!!)*

[...] há transformações estruturais na posição de classe de um vasto setor que domina o PT, que indicam uma real mudança do caráter do partido. E, como posições de classe não se mudam com simples mudanças de nomes ou de conjuntura ou de melhoria de alguns indicadores econômicos, considero que o governo Lula está aprofundando a chamada "herança maldita" de FHC e tornando-a irreversível.

[...]O PT trocou a hegemonia que se formava por um amplo movimento desde a ditadura, no qual o próprio partido tinha lugar e função central, a direção moral que reclamava transparência, separação das esferas pública e privada, fazia a crítica do neoliberalismo, organizava os trabalhadores, incluía os excluídos, indicava o caminho do socialismo, pelo prato de lentilhas da dominação.
O PT no governo é um prolongamento da longa "via passiva" brasileira, a expansão do capitalismo da exclusão, a repetição do mesmo, desde o aliancismo desembestado até as políticas dos tíquetes do leite. O PT é hoje o partido de centro no espectro político brasileiro, junto com aquele que escolheu como irmão, o PSDB: se odeiam, mas são irmãos. E o pior é que não sabe disso. Pensa que está reformando o país.

Francisco de Oliveira,
Especial para Folha de S.Paulo, 14/12/2003


Acho que está tudo dito.
p.s.: Parafraseando um outro sociólogo da USP, o artigo do Francisco de Oliveira que o Clayton publicou no seu blog deveria ser chamar 'Esqueçam o que eu escrevi'.

* nota deste humilde polemista...

11:47 AM