Parece escusado explicar uma cousa de si tão simples e intuitivamente compreensível. Sucede, porém, que a estupidez humana é grande, e a bondade humana não é notável.“
Fernando Pessoa
Clayton,
Antes de mais nada, parabéns. Seu post do artigo do Chico de Oliveira conseguiu gerar uma grata polêmica. Com a citação acima quis apenas alertar para a “bondade” de meus propósitos... eu, particularmente, trocaria a palavra “estupidez” – que pode vir a ser considerada como agressiva e vulgar - por “persistente cabeçadurismo”. Mas, quem sou eu pra corrigir o poeta?
Não sei se você se lembra, mas poderíamos considerar esta polêmica como uma continuação de uma conversa que começou pouco antes da eleição presidencial de 2002 em um boteco de quinta categoria que fica perto do Sesc Lapa - local onde fomos mais uma vez massacrados em uma partida de futsal por uma equipe adversária (aliás, que novidade...). Já naquela época – e isso é bom que fique claro pra que não me acusem de oportunista agora – eu te dizia que o governo Lula não mudaria em nada nosso País e, baseava minha afirmação no que se deixava entrever na famigerada “Carta ao povo brasileiro” que o dito cujo havia publicado pouco tempo antes da eleição.
Você conhece um pouco de minha história pessoal, por isso não vou aqui querer estabelecer um debate sobre quem militou mais, quem tem mais história de luta, quem é de esquerda, quem age e quem fica parado. Esse tipo de adjetivação serve sempre a quem não tem conteúdo político, nem ideologia sólida para basear suas posições. Mas como vi que alguns posts quiseram descambar pra esse lado deixo a possibilidade de entrar em contato comigo (vc tem meu e-mail) e, com prazer, contarei uma ou outra historinha que acumulei em alguns anos de vida (felizmente não muitos, porém bastante profícuos).
Entrando no tema do debate em si, fiquei pensando como poderia deixar mais clara a minha posição. Como explicar o voto nulo no segundo turno? Como dizer a quem se diz de esquerda que é errado votar no Lula? Como contar que tanto PT como PSDB tem um programa social-democrata? Passei esta tarde pensando nisso, até que me lembrei que sempre é bom recorrer aos clássicos. Sou do tempo em que ser de esquerda significava ter um mínimo conhecimento de Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Gramsci, Guevara, entre outros que eu considero verdadeiramente grandes.
Pesquisei um pouco e não precisei chegar tão longe para encontrar uma boa defesa de minha posição. Portanto, segue abaixo a transcrição de parte de uma carta de um eminente esquerdista brasileiro que explica bem a minha posição. Mas, advirto: apreciem com moderação...
[...] Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a Câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço [...], uma política de alianças descaracterizadora, uma "caça às bruxas" anacrônica e ressuscitadora das piores práticas stalinistas, um conjunto de políticas que fingem ser sociais quando são apenas funcionalização da pobreza --enfim, para não me alongar mais, um governo que é o terceiro mandato de FHC. (Agora o quarto!!!)*
[...] há transformações estruturais na posição de classe de um vasto setor que domina o PT, que indicam uma real mudança do caráter do partido. E, como posições de classe não se mudam com simples mudanças de nomes ou de conjuntura ou de melhoria de alguns indicadores econômicos, considero que o governo Lula está aprofundando a chamada "herança maldita" de FHC e tornando-a irreversível.
[...]O PT trocou a hegemonia que se formava por um amplo movimento desde a ditadura, no qual o próprio partido tinha lugar e função central, a direção moral que reclamava transparência, separação das esferas pública e privada, fazia a crítica do neoliberalismo, organizava os trabalhadores, incluía os excluídos, indicava o caminho do socialismo, pelo prato de lentilhas da dominação.
O PT no governo é um prolongamento da longa "via passiva" brasileira, a expansão do capitalismo da exclusão, a repetição do mesmo, desde o aliancismo desembestado até as políticas dos tíquetes do leite. O PT é hoje o partido de centro no espectro político brasileiro, junto com aquele que escolheu como irmão, o PSDB: se odeiam, mas são irmãos. E o pior é que não sabe disso. Pensa que está reformando o país.
Francisco de Oliveira,
Especial para Folha de S.Paulo, 14/12/2003
Acho que está tudo dito.
p.s.: Parafraseando um outro sociólogo da USP, o artigo do Francisco de Oliveira que o Clayton publicou no seu blog deveria ser chamar 'Esqueçam o que eu escrevi'.
* nota deste humilde polemista...
11:47 AM
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