Monday, October 23, 2006

O Danç-êh-sá de Tom Zé



Sem palavras, mas com muitos discursos. Com gemidos e grunhidos, mas também com berros e murros em ponta de faca. Uma atitude – sonora, existencial, de palco – que implode idéias pré-fabricadas e ergue no lugar um monumento ao caos. A purificação da mediocridade.
É assim que soa aos meus ouvidos Danç-êh-sá – Dança dos Herdeiros de um Sacrifício, novo disco de Tom Zé, lançado de forma independente. Com esse trabalho, fica claro que, nas mãos desse artista baiano, até um panfleto se transforma em fina poesia – desconstrução para uma nova ebulição. Derrida?

Saí do show de Tom Zé no sábado – acabou de estrear a turnê, no Sesc Pinheiros, em São Paulo – extasiado e perplexo: como pode um músico soar tão original quando tudo parece já ter sido inventado, mastigado, copiado? Como pode ser capaz de estar à frente no tempo sendo, paradoxalmente, tão atual e antenado com nossos dias? Não sei, continuo aturdido com as pancadas sonoro-existenciais de Tom Zé. Afinal, ele explica para confundir, como escreve no livro Tropicalista – Lenta Luta (Publifolha), lançado concomitantemente ao disco.

É o próprio Tom Zé diz quem Danç-êh-sá é um disco sem palavras, mas com inúmeros discursos. Nasce da estupefação dele com os resultados de uma pesquisa da MTV que constata que os jovens de hoje não estão preocupados com o bem comum, a solidariedade, projetos coletivos, uma sociedade melhor, nada – assumem-se hedonistas, consumistas e egoístas. Por isso fez um disco cujas músicas não têm letra, assim “como acontece com a internet”, diz no show, não exatamente com essas palavras.
Embora a inexista o verbo no novo CD, as (des)canções de Tom Zé são petardos, quem sabe para ver se a juventude se sacode e sai do imobilismo. Como caminho para mudar esse cenário desalentador, ele propõe uma reflexão a partir de nossas raízes africanas, que forjaram a alma do povo brasileiro.

A esperança numa postura diferente por parte da juventude perante o mundo fica clara no encarte do CD: “... corro para a juventude com este cd cantado sem palavras. Aposto que a resposta dos jovens na pesquisa é provisória e berra um grito de socorro na cara dos formadores de opinião. Provisória, porque logo os antropólogos, jornalistas e cineastas se mobilizarão, concorrendo para que o ‘coração de estudante’ se engaje no projeto otimista que é ser o Negro que somos, herdeiros do sacrifício de várias nações africanas, cujo sangue depurou a arte e a religião de 3 Américas: vejam-se o samba e a Tropicália; ou o soul, o hip hop e o reggae.”

Embalados por uma miscelânea sonora que encanta e embaralha os ouvidos (vulcão movido a samplers, pick-ups, sanfonas e ritmos africanos), Tom Zé dispara mísseis contra o cheiro de podridão na política brasileira; o sabor do amargo do desencanto; a hipocrisia brega dos corredores da Daslu. Faz tudo isso com as vozes digitalizadas da era da “Globarbarização” – o termo veio dele, no show –, sem se esquecer do megafone. É o poder da linguagem à flor da pele

Ainda bem que temos Tom Zé.

8 comments:

Anonymous said...

Tom Zé agudo!

Anonymous said...

Tom Zé zi, zo, zu ... Agudo!

Anonymous said...

A gente assiste ao show do Tom Zé e se desarranja pra se arranjar com um sorriso limpo.
O meu cognitivo virou do avesso de maravilhado!

hpg said...

Eu quero, eu quero ficar confundido pra me esclarecer... Pois Zé!

Anonymous said...

Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaatchim!

Clayton Melo said...

Percebo que realmente o tsunami mental provocado por Tom Zé ainda ecoa. E assim vai permanecer por um bom tempo!

Atchiiiim, para a DASLU, entre outras sonoridades esquizofrênicas de Tom.

ps:quem estiver curioso para saber que raio é isso de "atchiim" etc, o jeito é ouvir o CD.

Anonymous said...

OI, só uma observação: o CD é independente, não saiu pela Trama dessa vez...

É isso ai!
Tania.

Clayton Melo said...

Oi, Tânia. Havia postado uma mensagem a você, mas não sei onde ela foi parar.

Obrigado pela correção. Já mudei há dias o texto, colocando a informação correta.