Foi publicado hoje na Folha de S.Paulo (Tendências e Debates) - e reproduzido logo abaixo - um artigo de Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc-SP, sobre o impacto da lei do Super Simples para entidades como o Sesc.
Recomendo a leitura, dada a importância do tema em discussão. Não se pode aceitar a redução de recursos disponíveis a entidades que efetivamente desempenham um papel cultural relevante, como o Sesc. O tema já havia sido abordado neste blog no dia 16 de novembro
São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007
Parece super simples, mas não é
DANILO SANTOS DE MIRANDA
O Supersimples entrará em vigor em seis meses. É prazo suficiente para os autores repararem os danos que causa o atual texto da lei
A APROVAÇÃO quase unânime do Supersimples é sintomática do nível insuportável a que chegaram a nossa kafkiana burocracia tributária e a barafunda cruzada dos impostos municipais, estaduais e federais, cujos efeitos mais danosos vinham recaindo justamente sobre as micro e pequenas empresas, as mais vulneráveis.
A simplificação, a desburocratização e a unificação dos impostos, a par de uma redução da tributação -que seriam a tradução econômica da modernidade-, não poderiam ter chegado em melhor hora. Para todos, ou, ao menos, para quase todos. Sim, pois, na verdade, o Supersimples não é tão simples quanto parece, nem o sentido de modernidade que lhe é atribuído é tão exemplar assim.
Ninguém diz, mas há muitos perdedores com a nova lei, sobre os quais pouco se tem falado e que não se transformaram em perdedores porque eram adversários; pelo contrário, alguns foram aliados de primeira hora de tudo o quanto neste país se pensou e se aspirou acerca de desenvolvimento e modernidade. Referimo-nos ao Sesc (Serviço Social do Comércio) e ao Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), duramente atingidos ao se isentar as micro e pequenas empresas da contribuição que faziam para sua manutenção. Embora outros dos chamados "S" também sofram prejuízos, o impacto é maior para as entidades do comércio e serviços, setor em que predominam as empresas de pequeno porte.
Não vamos entrar na análise da burla constitucional dessa isenção -os recursos das entidades são garantidos pelo artigo 240 da Constituição, portanto invioláveis-, num magistral gesto de cortesia feito com o chapéu alheio pelo Executivo, com o aval do Legislativo, além de contundente manifestação de desapreço para com os "S", os quais certamente não têm para eles nenhuma relevância, mesmo que lhes dediquem homenagens protocolares de aniversário. É o que explicaria também o fato de nem mesmo levarem em consideração a vitória clara dessas entidades na Justiça em demanda contra outra descabida isenção feita pela receita federal no antigo Simples, que nem sequer a previa. Mais que vencer no campo legal, contudo, importa a essas entidades vencer no plano dos valores, pois seus compromissos com a sociedade brasileira vão muito além da letra da lei.
A modernidade é um desses valores -por ironia, a mesma modernidade que parece ter inspirado o Supersimples, de tão nefasto efeito sobre elas. Não precisamos nos estender aqui sobre o relevante papel desempenhado pelo Sesc no desenvolvimento da cultura e da educação em nosso país -que não passa despercebido pelo cidadão medianamente informado e, menos ainda, pelos milhares de pessoas que diariamente se beneficiam de suas realizações.
Cabe assinalar apenas que é a crença no papel transformador da cultura -papel provocativo e emulador, eu diria- que confere a essa instituição lugar de destaque entre aquelas que apontam para a modernidade. Modernidade que transparece em todos os seus programas, os quais têm merecido, de renomadas organizações internacionais, o reconhecimento que aqui tem sido cada vez mais raro. O mesmo se pode dizer do Senac, formando e qualificando trabalhadores para o setor terciário, inclusive para as micro e pequenas empresas.
Quem perde mais com o Supersimples, entretanto, são os próprios trabalhadores dessas empresas, nas quais, aliás, se encontram os menores salários. Eles passam a constituir uma nova categoria de excluídos: aqueles que perderam seu direito ao Sesc e Senac porque suas empresas foram "beneficiadas" pelo Supersimples com a isenção. As empresas, em contrapartida, abdicam de sua responsabilidade social, vital para a redução das desigualdades sociais e para o desenvolvimento do país.
Era contribuindo com 1,5% (calculados sobre a folha de pagamento) para o Sesc e 1% para o Senac que elas assumiam sua parcela de responsabilidade para com a sociedade brasileira, inspiradas pelo ideário das lideranças empresariais que fundaram os "S", ideário que infelizmente parece esfumar-se nas mãos de algumas lideranças de hoje. De qualquer modo, Inês dorme, mas ainda não é morta. O Supersimples só entrará em vigor dentro de seis meses. É prazo suficiente para que seus autores reflitam e possam, talvez movidos agora por um genuíno espírito de modernidade, encontrar uma forma de reparar os danos provocados pelo atual texto da lei. Não se faz a omelete sem quebrar os ovos, é verdade; mas que omelete há de ser essa, quando se joga a gema fora?
DANILO SANTOS DE MIRANDA, 63, sociólogo, especialista em ação cultural, é diretor do Departamento Regional do Sesc (Serviço Social do Comércio) no Estado de São Paulo. É conselheiro do MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), da Fundação Itaú Cultural e do Masp (Museu de Arte de São Paulo) e vice-presidente continental da Federação Internacional de Esportes para Todos.
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2 comments:
no brasil somente o que dá certo é questionado
Pois é, Guto, bem observado.
Diminuir os impostos, especialmente para as micro e pequenas, é necessário. Mas, na minha modesta opinião, não deveria constar na lei do Super Simples o fim da obrigatoriedade da contribuição a entidades do sistema S, que prestam um serviço importante à comunidade.
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