Wednesday, March 28, 2007

Um testemunho amoroso

A peça O Homem Provisório, sobre a qual comentei na postagem anterior (dá uma abaixadinha na tela para você ler) não me emociona apenas pela sua riqueza artística. Paralelamente, há também um componente emocional muito forte que me liga ao espetáculo – e isso não influencia no que penso a respeito da qualidade da obra, de resto digna de reconhecimento: a Alê, minha amada, é produtora da peça ao lado Guto, um grande amigo que já faz parte da lista dos mais queridos.

Como é gratificante ver, depois de meses, o árduo trabalho dessa dupla gerar um belo fruto, junto com os demais amigos do grupo Casa Laboratório. Fico feliz de ver como o contato com a arte deixa minha Alê realizada, feliz, embora cansada da maratona que é levar um espetáculo teatral desse porte aos palcos. É como se todo o estresse inerente a um projeto intenso, que buscou o tempo inteiro o melhor, se transformasse num sorriso gostoso depois do batismo de fogo.

Alê, meu amor, siga em frente nesse caminho bonito que você está construindo, com brilho e talento. Estarei ao seu lado, com a companhia de Riobaldo e Diadorim!

O espetáculo O Homem Provisório

Há uma angústia em suspenso: temos um homem em conflito, deslocado no tempo e no espaço, embebido em veredas. Há trotes, galopes e a transcendência do amor. E o ódio, a maldade, mas também a doçura escondida no seio do cangaço – a crueza da fé.

O universo do sertão numa caixa preta – nossa Pandora de pedra, suor e amargura–, a tremular sua secura num cenário metafísico, que nos transporta para dimensões refletidas em nosso abismo espiritual: ora observa-se do lado de fora, ora mergulha-se num noitão sem-fim, e o Coisa Ruim que não tira os zóio de Riobaldo! Diadorim?! É o Grande Sertão:Veredas no Homem Provisório. É Riobaldo, somos nós: jagunços de corações partidos, provisórios, finitos. Seres consagrados pela materialidade da desgraça.

E temos Glauber com Rosa, Deus e o Diabo na Terra do Grande do Sertão:
a cena do ingresso do jagunço no bando de Corisco. De cortar o coração. Assim como as chibatadas de Diadorim em suas próprias costas. Talvez sejam essas as marcas que carregamos que pela eternidade, nosso Sísifo irreconciliável.

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Escrevi o texto acima motivado pela peça O Homem Provisório, dirigida por Cacá Carvalho e pela Fondazione Pontedera Teatro, com o Grupo Casa Laboratório para as Artes do Teatro. Assisti ontem à pré-estréia, no Sesc Paulista, aqui em São Paulo. A estréia será nesta sexta-feira (clique aqui para saber mais).

Inspirado em Grande Sertão: Veredas, o texto foi escrito pelo poeta Geraldo Alencar – parceiro de Patativa do Assaré –, que vive no sertão do Cariri. Espetáculo primoroso, de arrebatar o coração.

O ponto de partida e chegada é o livro de Rosa, mas não só: para resumir, vejo a peça como um diálogo com a cultura brasileira, conduzido a partir da reflexão sobre o papel da figura do jagunço na alma nacional. Com direito a Glauber Rocha, literatura de cordel, Lampião e seu bando ( e a famosa foto Cabeças Cortadas, que mostra os cangaceiros decapitados), entre outras coisas.

Sou testemunha da batalha e da intensa dedicação de todas as pessoas envolvidas na peça. São pessoas as quais aprendi não só a admirar o trabalho, mas também a intensidade e a entrega na amizade.

Parabéns a todos.

Sunday, March 25, 2007

O cinema de Eric Rohmer



A câmera discreta, sem ousadias ou enquadramentos sensacionais, acompanha diálogos e mais diálogos, longas caminhadas pelas ruas e encontros casuais (será?) que embaralham destinos. Flagra olhares que mais escondem que revelam, e a aparente trivialidade da vida cotidiana na verdade serve para encobrir o que está atrás, o que só se revela nas entrelinhas, aquela fração de humanidade a que nem sempre nós mesmos temos consciência de possuir.

Parece ser isso o que os filmes de Eric Rohmer repetidamente se põem a dizer. Pelo menos é assim que os recebo: sinto como se Rohmer quisesse mostrar para esconder, falar para não dizer. É isso o que me intriga e por isso mesmo me encanta no universo rohmeriano.

Essas questões todas me vêm martelando a cabeça neste início de ano, que está delicioso para quem gosta ou desejar conhecer o cinema de Rohmer. Tudo começou com uma retrospectiva organizada pela Cinemateca Brasileira, entre fevereiro e março, em que foram exibidos vários longas-metragens. Agora, a sobremesa é servida com a chegada às locadoras, em meados de março, dos quatros DVDs que compõem a série Contos das Quatro Estações.

Conto de Inverno
Lançamento muito bem-vindo por parte do Grupo Estação – também detentor do direito no Brasil de uma série longas-metragens de Rohmer –, porque serve para minimizar a escassez de filmes do cineasta francês por aqui. Feitos os elogios, no entanto, alguns resmungos: não há extras nos DVDs e a quantidade filmes de Rohmer no mercado brasileiro ainda é ínfima, perto do total de obras dirigidas pelo cineasta.


Mas voltemos ao que interessa.

Depois de me embebedar com tanto Rohmer, alguns traços de sua carpintaria cinematográfica me ficam mais claros. O que primeiro salta aos olhos é, como já citei, a quantidade de diálogos. Os personagens passam o filme inteiro conversando. Mas não só isso: conversam, mas quase invariavelmente o fazem enquanto se locomovem. Se não estão caminhando a pé pelas ruas de Paris ou de outras cidades francesas, os personagens – geralmente jovens e de classe média – tagarelam em carros que estão em movimento. Caso estejam sentados à mesa de um bar (e há muitos diálogos em bares ou cafés), no fundo costuma haver uma vidraça através da qual se vê a cidade, com seus transeuntes e carros em trânsito. Ainda não consegui entender muito bem qual o significado disso. Mas trata-se de um elemento importante para a composição da mise-en-scène, a ponto de me levar a dizer que o movimento é praticamente um personagem em Rohmer

Selecionei um trecho que ilustra bem esses traços. Está presente em o Conto de Verão (de 1996), que apresenta a história de um adolescente hesitante (Gaspard) que vai passar férias numa região litorânea e, enquanto aguarda a chegada da namorada, começa a se relacionar com outras duas garotas (esse aspecto psicológico também dá pano para manga, mas deixo isso para outro dia). Repare:




Outra característica marcante no filmes de Rohmer são os encontros fortuitos. Isso ocorre, por exemplo, em O Amigo da minha amiga, A mulher do Aviador ou – já que estamos falando d’Os Contos – em o Conto da Primavera e no já citado Conto de Verão.

No primeiro caso, que faz parte da série Comédias e Provérbios, uma jovem por acaso faz amizade com uma outra jovem, que por sua vez tem um namorado que é amigo de um galã que desperta a atenção das mulheres. Já em A mulher do Aviador, também da mesma série, um mal entendido provocado pela visão de um encontro é o ponto de partida para uma história de ciúmes, insegurança e incertezas relativas ao amor. Em Conto da Primavera, uma madura professora de filosofia, Jeanne, vai a uma festa e lá se torna amiga de Natasha, uma garota cujo pai namora uma mulher muito mais jovem que ele.

A Mulher do Aviador

Em comum, esses filmes têm o fato de contarem histórias extremamente simples. Mas, como diz o crítico Inácio Araújo, as histórias de Rohmer “são tão banais, mas tão banais, que nos perguntamos qual a vantagem de contá-las e, sobretudo, de ficar lá, vendo aquilo”.



A resposta, segundo o crítico, é o “benefício da dúvida”. Sim, também concordo. Rohmer capta a vida de forma sutil, e assim nos transforma em cúmplices do prazer e da dúvida.

Thursday, March 22, 2007

Que sacanagem, não?

Gostei desse comercial da Heineken, com a atriz Jennifer Aniston.
Dica do meu grande amigo Eduardo Augusto, também conhecido mundialmente como Alemão.


Tuesday, March 20, 2007

Sunday, March 18, 2007

Rapidinhas sobre a leitura



1. De Paul Valéry, citado por W.H Auden no livro A Mão do Artista:

“Só se lê aquilo que é lido com algum propósito pessoal. Pode ser até com a intenção de adquirir poder. Pode ser até mesmo com ódio ao autor”.

2. Mais sobre a leitura, agora do próprio Auden:

“Ler é traduzir, pois a experiência de cada pessoa com o texto é exclusiva. Um mau leitor é como um mau tradutor: interpreta literalmente quando deveria parafrasear, e adota a paráfrase quando deveria interpretar literalmente. Para aprendermos a ler de uma forma mais crítica, a erudição, embora bastante útil, é menos importante que o instinto; há grandes eruditos que, como tradutores, mostram-se fracos”.

3. Eis que essas pílulas sobre o ato de ler me fizeram buscar na prateleira A Aventura do Livro - do leitor ao navegador, de Roger Chartier:

“A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. Segundo a bela imagem de Michel Certeau, o leitor é um caçador que percorre terras alheias. Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus comentadores. Toda história da leitura supõe,em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro pretende lhe impor”

4. A minha visão sobre a leitura

Ler é se aventurar numa escuridão de delícias; é atravessar o abismo sem o risco da queda. É ver-se refletido nos outros que há em nós e vice-versa; é desdobrar-se em um, nenhum e cem mil. É conhecer a si mesmo olhando de dentro do inferno.

Uma pausa, por favor

Estou trabalhando muito ultimamente, e isso explica o sumiço durante alguns dias aqui do Ponto de Fuga, que anda carente de posts novos. Muita correria para fechar edições de revistas, desenvolver projetos de novas publicações, pensar em pautas, prospecção etc.

Como se não bastasse o trabalho jornalístico propriamente dito, preciso também cuidar de aspectos administrativos da editora da qual sou sócio, a Toda Palavra. Afinal, parafraseando uma propaganda antiga (do quê mesmo?), “não basta ser empreendedor, tem de participar”.

Juro que não fiz esse preâmbulo para justificar a escassez de posts. Na verdade, foi o gancho que encontrei para falar da necessidade de, com uma certa freqüência, darmos uma paradinha no ritmo alucinante da vida cotidiana. Às vezes precisamos simplesmente não fazer nada: apenas respirar fundo e deixar o coração tranquilo.

Foi o que fiz numa noite dessas. E o fiz com música, muita música. Esparramado no tapete da sala, a janela da varanda aberta, revirei o monte de CDs. Miles Davis, Chet Baker, The Doors, Chico Buarque, Rolling Stones, Sérgio Sampaio, Lobão, Cazuza, Legião Urbana, Jonh Lee Hooker, Gal Costa. Salada sonora. Do jeito que o diabo gosta.

Pensei de tudo um pouco. Pensei, por exemplo, que em minhas veias talvez corra um barquinho, de lá para cá, de cima para baixo, procurando alguma portinha que permita desbravar um horizonte novo dentro de mim mesmo.

Fiquei horas assim.

Da janela da varanda, a noite me lambia a cara, me chamando para a vida, dizendo que, sim, que a vida vale a pena – apesar de as notícias dos jornais ultimamente nos darem todas as razões para acreditar no contrário.